24 de junho de 2011

Destino - Instrumental, Prod. Rizoma

A vida como obra de arte numa perspectiva ético-estética da existência: O amor intenso à vida afirma-a integralmente com coragem e aprendizado trágico, superando toda a crença na oposição de valores e abismos alicerçados em consolos metafísicos e renúncias que negam a finitude (...)

23 de junho de 2011

Morte de Osama e Legitimação da Tortura no Âmbito da Governamentalidade Planetária

Os cidadãos estadunidenses – um povo que acredita ser abençoado por Deus na defesa da liberdade – explodiram em júbilo ao realizar sua vingança no assassinato de Osama Bin Laden, procurado "vivo ou morto". Os americanos vivem o clímax de se sentirem seguros, o “alívio” torna-se presentificado, ao mesmo tempo apreensivo e sob o pânico que agrava conflitos, reatividades e espera por represálias de grupos terroristas. O solipsismo autoimunitário comemora em êxtase sua vingança patriótica contra aquele que foi considerado como a "encarnação do mal", enquanto as jaulas democráticas estadunidense ainda permanecem. O trauma se converte em catarse temporária. Não houve o trabalho de luto tendo em vista as vítimas dos ataques de "11 de setembro", somente o espetáculo do mass-mediático em torno do assassinato do "inimigo n° 1 dos EUA". Quando o ressentimento se exacerba em pulsões vingativas, a defesa do “bem” e a lógica da justiça são utilizadas para justificar torturas, testemunhos como técnicas de confissão obrigatória da verdade, suspensão da ordem jurídica, “guerras justas”, estigmatizações da diferença e intolerâncias.
O governo dos EUA, ao reafirmar seus jogos de alianças com seus ditadores de conveniências e aliados de ocasião, encerrou um pacto iniciado durante o contexto da Guerra Fria. Na mídia, especialistas de plantão denunciaram o modo como os EUA invadiram o território paquistanês e violaram o direito internacional ao praticar a eliminação de pessoas sem respeitar os processos legais. Há quem diga que a morte de Bin Laden significou um passo decisivo para a popularidade de Obama e garantia para a sua reeleição. Assim, o assassinato de Osama pelas forças ianques no Paquistão estaria relacionado com as crises econômicas do país, o desemprego, à crise geral do capitalismo e os descumprimentos das promessas feitas por Obama em sua campanha de candidatura. Somente um fato acolhido como excepcional serviria para recompor a aprovação popular e deslanchar pontos nas pesquisas de ibope. 
Na atual democracia a política é a guerra por outros meios e a "justiça" é feita para quem precisa e com as próprias mãos, cabendo ao direito apenas legalizar aquilo que a política instaura como defesa das instituições democráticas e segurança nacional ou planetária. No estilo cowboy Osama foi assassinado, mas os Estados Unidos continuam a autoimunizar-se na guerra contra o terror. A guerra e o espectro da ameaça indeterminada continuam, sobretudo no tempo em que os Estados intervêm com ação coletiva para "sanear" tiranos e regimes que outrora foram úteis e que agora não passam de excesso e “inimigo” anacrônico e obsoleto para o Ocidente e certos interesses não-ocidentais. A Al-Qaeda, cada vez mais elaborada em fluxos, franquias, programas e redes capilarizadas também promete e planeja sua vingança. No intermezzo das redes descentralizadas, organizações terroristas cada vez mais se fragmentam no processo de autonomização de facções atuantes em níveis locais.
Apesar das toneladas de análises que se encontram pelo mundo afora a respeito da justiça e legalidade no assassinato de Osama, cabe discutir a problemática que poucos abordaram, ou seja, sobre a legitimação da tortura como operação e dispositivo de governo. Não é de hoje que a tortura é operacionalizada como uma prática de Estado, e Barack Obama foi eleito precisamente pelo seu discurso de fechamento da prisão de Guantánamo. No entanto, a morte de Bin Laden serviu como uma estratégia dos Estados Unidos fortalecerem a imagem de seu exército e operações especiais que havia sido desgastada pelas ações do governo Bush, procurando redimi-los ao mesmo tempo em que pavimenta a continuidade de sua política no Oriente Médio e norte da África.
O contexto árabe atual tornou-se um campo de disputas e reafirmações de alianças e traições, seja pela coalização de Estados que intervêm de forma transterritorializada em nome da prosperidade do capitalismo globalizado, seja pelo conflito político e ideológico entre as agendas jihadistas islâmicas e as reformas por democratização, transição, eleição e fomentação de direitos. Expandem-se seguranças, estratégias militares, policiais e diplomacias sem limites territoriais de soberania. O combate ao “terrorismo” prossegue nos fluxos de captura global e controle sideral da ordem internacional capitalista e democrática ao convocar e incluir a todos numa participação ininterrupta aos “ecossistemas eletrônicos”, conectividades securitárias e organizações computo-informacionais.
Contudo, as guerras não seguem da mesma forma que antes, elas não dependem de declarações formais ou terminam com tratados de paz, elas percorrem de forma contínua no enfrentamento do Estado com grupos não-estatais, elas seguem nos fluxos de controle e inteligências institucionalizadas, circulam nas permanências de Guantánamo, seguem com a tortura justificada como um "mal menor" na cruzada contra o terrorismo e na cidadania participativa capturada pela exceção normalizada como regra. À medida que a ecopolítica e a governamentalidade planetária oferecem mundos regados a alternativas e qualidade de vida ao deslocar o controle homeostático sobre a vida da população para o controle da vida do planeta, preocupando-se mais com a produtividade de inteligências do que sobre a docilidade do corpo máquina. E o rebanho segue feliz em nome da paz e sustentabilidade manifestando-se em amparo de autorizações, “marchas”, iniciativas não-governamentais, decisões institucionalizadas e incentivado a participar de programas ou políticas públicas articuladas com o empresariado. A ecologia se converte em um monitoramento de condutas, disseminando o policiamento entre cidadãos e produzindo a segurança em campos de concentração a céu aberto. Guantánamo torna-se esquecida e ignorável por aqueles que não falam da abolição dos cárceres e que ainda se valem da utilidade da prisão para ampliar as penalizações e democratizar a participação política e a cidadania na renovação de punições. A tortura prossegue como meio de se adquirir informações e amparada em sigilos e ocultação de memórias e a inteligência é aplaudida pela população zelosa ao planeta e que imediatiza vulnerabilidades.