12 de abril de 2024

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Enquanto tentam, tramam ou só observam de longe, sigo fazendo o meu. Reservado e cheio de vivências, também há espiritualidade na revolta.

Não existe aquele que tenha adquirido força sem experimentar a fraqueza. Assim como não há aquele que tenha sonhado e buscado a liberdade sem passar pelos piores aprisionamentos.

Luta é o agradecimento pela vitalidade.

26 de fevereiro de 2022

Nós, que sempre lutamos pra ampliar nossas práticas de resistências diante das relações de poder, temos em primeira instância, para melhor conhecer as táticas de quem devemos combater, admitir e perceber que, os discursos e práticas de ruptura, a conduta antisistema (mesmo por aqueles que atuam como a base dos sistemas vigentes, sobretudo, entre aparatos paramilitares) e a constante organização e mobilização geralmente vem ganhando força no modo de agir dos grupos reacionários, conservadores e até mesmo extremistas da sociedade e não por aqueles que sempre lutavam por processos mais revolucionários entre as lutas de classes e projetos de justiça social. Percebemos isso cotidianamente na forma como esses grupos vem se tornando cada vez mais insurrecionais como movimentos de contra revolução molecular.

Para isso, entendemos como foi a forma de qualquer sistema de pensamento e prática nazi/neonazi e fascista veio se consolidando partindo dessas articulações locais e micro estruturais, como também no campo dos afetos e até mesmo capturando aos seus moldes os discursos e práticas de quem fala e atua nas insurgências. Lembrando que essas práticas não foram apenas algo centralizada ao Estado, e sim nos campos mais subjetivos de uma sociedade que buscava a todo momento se restaurar produzindo cotidianamente figuras de seus inimigos externos. 

Diante desse contexto, notamos esquerdas totalmente descredibilizadas, sem trabalho de base. Em outro momento, totalmente conciliadora com as elites que sempre se opuseram e incapaz de dialogar com as pessoas nas ruas. É visível que presenciamos esquerdas muito mais defensora de instituições, por vezes, muito focada em empoderamentos identitários do que de fato assumir uma postura de radicalidade. Percebemos o quanto a direita investe diariamente e nas redes virtuais em demonstrar e escancarar as contradições internas e discursivas entre as pautas das esquerdas e diante disso buscando ser convincente com as pessoas no dia a dia que passam a ter mais adeptos de suas ideologias. Tais argumentos persuasivos visam sempre desarticular e deslegitimar qualquer revolta no campo material contra o capital, ludibriando com mais lógica de empreendedorismo as classes menos privilegiadas. 

Assistimos as esquerdas elitistas preservando suas riquezas e seus privilégios de lugar de fala. Cabe destacar, o modo como foi capturado e roubado conceitos de grupos realmente libertários e que lutam contra o poder e contra o Estado, sendo articulado em protestos supostamente antiestado reivindicando a liberdade através de valores liberais e neoliberais na preservação de sua propriedade de si, como por exemplo, ancaps com ideais alinhados ao liberalismo ao fazer autorreferências de si mesmos como se fossem libertários e anárquicos. Sabemos que tudo isso não tem nada a ver com os anarquistas ingovernáveis que realmente lutam contra a propriedade, mas ao elucidar tais práticas de capturas e atuais táticas insurrecionais dos microfascismos, não devemos purificar conceitos, nem autores e nem sujeitos. 

Na lama das batalhas e no campo social, as práticas discursivas podem se confundir, se apropriar e se refazerem no limiar da crise e guerra permanente. Estejamos sempre atentos diante dessas possibilidades que estão sempre em aberto.

27 de novembro de 2021

BREVE ENSAIO PARA UMA GENEALOGIA DE UM GOVERNO TIRÂNICO NO BRASIL

“Arruaça reacionária com anuência policial. Rebanho estúpido e fanático que agradece tudo aquilo que lhe é prejudicial. Pátria sempre vai ser a louvação tradicional da carnificina. Entre os lambe botas que desfilam em avenidas ao amar a mortificação de si em nome da soberania de suas milícias” (Andrews Amorim)


As reformas desse neoliberalismo brutal desmantelaram ainda mais os serviços públicos e estão diretamente associadas aos efeitos de uma pandemia perpassada pelo negacionismo como uma gestão do descaso na forma de um genocídio necropolítico.


A gestão da crise e das precariedades se tornou uma prática de governo efetiva ao ponto de fazer dela algo permanente e insuperável para ser justificada como “medida de austeridade” que promove cortes de direitos, aumento no custo de vida e escancarada pauperização da população mais pobre. E sempre em prol dos patrimônios e rendimentos de uma oligarquia financeira que reside no topo do poder. Vale lembrar que a conduta da resiliência sempre é convocada nessa forma de governar a miséria para arrebanhar a obediência e conformar as precarizações como uma consciência de cidadania.


Não é de hoje que o atual canalha que senta ao trono em parceria de sua família vem tentando promover um golpe militar de Estado e até mesmo um possível autogolpe. Como também não é de hoje que as Forças Armadas utilizam de uma suposta guerra interna para a tomada de poder. O núcleo militar sempre fez uso de um suposto antagonismo contra si mesmo para vender a imagem de que eles são as forças de contenção inevitável da “ordem”. Guerra civil não declarada de Canudos à Contestado, do Exército às “forças de pacificação”, das práticas de extermínio contra movimentos populares no Império à perempta história de “caça comunista” como nomenclatura para qualquer figura de uma singularidade/coletividade insurgente.


Sabemos que na democracia também se elege tiranos, atualmente no Brasil o "efeito bozo" empoderou a estupidez na qual explicar o óbvio passou a ser uma tarefa difícil em tempos de total imbecilidade ideológica. Nota-se o envolvimento com as milícias e a elite agrária, a convocação de greves com pautas reacionárias e fechamento do congresso, apoiam o voto impresso abrindo espaço para a fomentação do voto de cabresto do coronelismo e o crime organizado exercido pelos agentes oficiais e extra oficiais do Estado.


Vivemos os efeitos de uma ruptura política como resultado do esgotamento dos pactos e alianças da Nova República. No período pós ditadura civil-militar esse foi o preço bastante caro a se pagar para o país entrar em um processo de transição ou reabertura para a democracia. Como resultado disso, a mesma polícia e milicos torturadores permaneceram intocáveis nos consórcios do governo e no Estado de direito, com seus cargos políticos preservados desde o período da transição supostamente democrática.


Hoje vivenciamos o efeito dessa ruptura dos pactos políticos com as posturas de radicalização e constantes levantes populares convocados pelas mídias sociais e digitais.


Entre máquinas algorítmicas e empresas privadas de fake news, veio emergindo figuras autoritárias  que em seu fanatismo ultra conservador dissimula essa conduta como uma luta antissistema ou anticorrupção. O que na verdade não se tem nada de antissistêmico em suas condutas, e sim demonstra que eles são a própria base do sistema que está aí.


Identificados com as figuras grotescas e ridículas da mídia que defecavam suas opiniões racistas, misóginas e homofóbicas em programas de auditórios, tais setores reacionários passaram a enxergar os seus ideais fascistoides como uma luta por "liberdade de expressão".


Programas de tv que se autointitulavam como "humor politizado e diferenciado" deu palco pra fascista falar até cair nas graças popular e se identificar com as bravatas daquele que passou a ser chamado de "mito". De promover uma figura autoritária dos porões da ditadura como algo cômico que gerava ibope e garantia audiência em cima de assuntos polêmicos.


Essas forças de reação sempre buscam negar o racismo estrutural na sociedade contra os negros e indígenas, arraigados em pressupostos universalistas afirmam que qualquer prática de luta contra discriminações seria vitimismo. Enxergam qualquer sinal de representatividade como "racismo reverso" e se fundam em versões revisionistas dos acontecimentos históricos para deslegitimar qualquer prática antirracista.


Semelhantes aos movimentos do integralismo na ditadura civil-militar de 64, os verde-amarelos que atualmente desfilam pró-governo nada mais são que o efeito desse Estado suicidário em que presenciamos no Brasil sobre a qual produz um ritual de mortificação de si mesmo em nome da crença e da vontade soberana de uma liderança que os ameaça e tiraniza. De uma figura patética do poder que encena o tempo todo um ritual de onipotência mesmo quando é visível a sua real decadência e impotência miserável.


Basta observar em 2022 que a face do "#BrasilSemBolsoLula" é a mesma de quem cravou 17 nas urnas em 2018 e os que mais incentivaram a polarização política agora posando de oposição ou clamando a "terceira via" que ainda permanece neoliberal e repetindo a mesma fórmula da suposta anticorrupção.


As forças reativas no Brasil se organizaram como algo insurrecional, enquanto práticas de uma contrarrevolução preventiva ao qual mobiliza os processos de subjetivação de um fascismo popular, a tal modo que, um número expressivo da população vai às ruas para suplicar por intervenção militar e defender o tirano fascista que os governa e os mortifica.


No entanto, é a revolta que introduz a subjetividade na história, entre nós, cabe fomentar a insurreição e revolução molecular contra todas essas subjetivações insurrecionais dos microfascismos cotidianos.

9 de junho de 2020

Sobre os Protestos Antirracistas e o Antifascismo

Temos que lembrar sempre que a política é a guerra continuada por outros meios. Aos insurgentes, sabemos como a paz nada mais é que o algoritmo do paradigma bélico e o corolário da justiça é a conquista, portanto, devemos recusar todas essas falácias da legalidade e ilegalidade.

Sempre atentos:

O bolsonarismo irá perdurar no Brasil com ou sem a persona de Bolsonaro (por mais que os seus seguidores estejam supostamente "arrependidos" pelo voto e se pendurando na opinião do centro), como também os projetos de reforma da Previdência e medidas de austeridades seguirão na "agenda econômica" mesmo sem Paulo Guedes e a exceção normalizada (Lawfare) nos aparatos jurídicos continuarão sem Moro.

Assim como, o punitivismo e a indústria do controle do crime perdurará independente do pacote anticrime.

A seletividade penal ainda permanece nas dicotomias entre preso comum e preso político. 

É preciso abolir toda essa cultura e moral do castigo.

As práticas e táticas dos que enfrentam as estratégias do golpe não deve recair nas redes dos que falam sempre em desgoverno disputando novas formas de governar.

A luta contra as máquinas fascistas do Estado e do mercado será incessante para as desativações e desfigurações desses dispositivos neoliberais, necropolíticos e securitários na própria democracia e no governo das condutas.

As ruínas tem que potencializar as heterotopias cotidianas e não redimensionar a resiliência conciliadora.

Nessas continuidades políticas, podemos notar que por mais que os governos passam, a polícia sempre fica, como um golpe de Estado permanente (e também disseminada nas condutas do "cidadão-vigília"). Percebe-se isso no modo como são feitas as criminalizações dos antifas não só pela extrema direita, como também pelas esquerdas hegemônicas que tentam capturar todas as revoltas espontâneas para debaixo de suas disputas governamentais ou quando muitos discursam sobre os "protestos pacíficos" e defesa democrática ao qual sempre remete na produção de dicotomias entre "manifestantes bons" e "manifestantes ruins".

Em meio aos protestos antirracistas e a destruição de estátuas que fazem homenagens aos personagens escravocratas, circula nas redes sociais o retorno de propagandas revisionistas que buscam criminalizar os antifas e ainda acusá-los de fascistas ao cultuar a imagem de Winston Churchill como um "herói da guerra" que combateu o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, ocultando a sua face burguesa e racista que defendia abertamente a supremacia branca, o apoio ao fascismo italiano de Mussolini, como também a sua política imperialista e genocida responsável diretamente pela morte de milhões de indianos no controle das colônias inglesas.

Em 2013, cabe lembrar que tanto a direita quanto as esquerdas criminalizaram a insurgência dos Black Blocs como vândalos mascarados e baderneiros, inclusive também chamando-os de fascistas.

Os meios de comunicação mass mediático e a racionalidade neoliberal ao mesmo tempo que, de uma forma retórica, se mostram contra o racismo, eles não combatem os dispositivos que fazem a operacionalização real do racismo na sociedade que se materializa a partir das ações policiais, nas desigualdades econômicas, nas seletividades do direito penal e demais práticas de controle social e territorial.

A mesma mídia corporativa que se diz indignada com o racismo é a mesma que classifica e criminaliza de forma descontextualizada os grupos que praticam saques e depredam "patrimônios".

Numa sociedade como a nossa, parece que são mais tolerantes com a violência praticada sobre os corpos do que o ataque à monumentos e prédios.

E lembrando que os saques são resultados direto do crescimento da desigualdade e do desemprego no país, muitos nos EUA, assim como George Floyd, também estão desempregados. Ao invés de contextualizarem as questões diante de problemáticas sociais e econômicas, produzem um discurso que ontologiza a conduta do criminoso através de estereótipos racializados.

É preciso não esquecer a canção Strange Fruit que denuncia os atos de linchamento contra os negros, sobretudo pelos movimentos sulistas de supremacia branca (Ku Klux Klan) a qual os negros eram enforcados e pendurados em árvores. Casas e igrejas incendiadas, a venda de drogas e álcool fomentada nos guetos para enfraquecer e desestabilizar os grupos de resistência negra, como os Black Phanters. Repressão policial, jatos d'água, mordidas de cães, apartheid, "bala perdida", gás lacrimogêneo, bala de borracha, cassetete, bombas de "efeito moral".

No momento, sempre há aqueles que falam em pacifismo, como se fosse possível combater todos os mecanismos de dominação e extermínio somente através de medidas pacíficas. Não se encaixa aqui algumas referências feitas à Ghandi na luta contra os britânicos na Índia por meio da não violência ou à Martin Luther King sem considerar os demais enfrentamentos que foram incisivos na luta pelos direitos civis e que tiveram sua importância para provocar as mudanças radicais, como por exemplo, a postura combativa de Malcom X

Diante dos neonazistas com "soco inglês", policiais infiltrados pra criminalizar os antifas como "terroristas" não há espaço para o não uso da violência.

No mundo pós 11 de Setembro, foram produzidas tecnologias de monitoramento restringindo a ocultação do rosto em espaços públicos enquanto uma política de "combate ao terrorismo" que incidia sempre na perseguição de muçulmanos/árabes e subversivos da ordem estabelecida. Hoje, em tempos de pandemia, a máscara simboliza de um lado a "boa conduta" do cidadão seguro que policia os costumes alheios, de outro uma vestimenta tática de anti contágio em levantes de rua.

Agora muito@s estão se autodenominando antifascistas, até o momento que uma vidraça ser quebrada ou uma propriedade privada ser atacada. De repente, até o momento em que for preciso o enfrentamento físico contra neonazistas e a tropa de choque.

O Coquetel Molotov não é moda, nem hashtag ou palanque pra partidos. Antifa não faz apelo por democracia e tampouco se resume em ativismos temporários, e sim busca destruir incessantemente todas as vísceras dos fascismos em seu próprio cotidiano. E para isso, é preciso estar atento com quem está em sua volta, pois o que não falta por aí são redes de infiltrados e de caguetagem (até mesmo entre supostos círculos de "amizade") que na primeira oportunidade te entregariam com o rótulo de "terrorista".

A revolta é antiestratégica, por vezes antiorganizativa em sua potência múltipla e difusa.

Não se combate o fascismo visando a defesa da democracia, mas sim destruindo as forças de segurança do Estado. Resistência, antes de tudo, deve ser antisegurança.

A luta antifascista e antirracista, de forma urgente, é a prática cotidiana que precisa fomentar a desativação dos dispositivos securitários e do cidadão-polícia.

A luta passa por rupturas que pretendem abrir as possibilidades de transformação radical em tempos que os fascismos se produzem como uma contrarevolução preventiva.

É perceber que a tirania é parte constitutiva da democracia, portanto, a luta antifascista não se iguala às amplas oposições democráticas contra o fascismo, pois sabemos que tiranos alcançaram o poder legalmente e democraticamente, não estamos apenas querendo restaurar a "normalidade" desse sistema, assim como anda fazendo grande parte das esquerdas e entre outros setores progressistas.

Lembrando que a luta antifascista não é só contra a extrema direita, mas contra todas as formas de opressão.

Luta antifascista não é demanda reativa às agendas do fascismo. Temos o nosso próprio devir e pulso vital de ataque, não nos ocupamos apenas nas reações. Para mais invenções de práticas antipolíticas que ampliam a atitude de revolta e as potências ingovernáveis.

10 de maio de 2019

O ADESTRAMENTO NO PROJETO DE ESCOLARIZAÇÃO DO GOVERNO - Leia, mas siga tendo um desprezo à leitura e os livros sem conseguir fazer interpretação de textos e totalmente preguiçoso pra fazer pesquisas. Aprenda a calcular, só para servir de mão de obra explorada para o mercado de trabalho. Sonhe meritocraticamente, continuando na pobreza, mas com disposição pra aplaudir as ações da bolsa de valores e buscando em algum dia ser micro-empresário e também explorar seus funcionários. Assimile a moral da trapaça e da competição para querer ser "alguém na vida" dentro de um ambiente de trabalho precarizado. Não adquira "consciência de classe" e apenas acredite que os patrões são geradores de emprego, enquanto eles orquestram a sua pauperização eminente. NÃO PENSE, assim ficará mais fácil te persuadir e te enganar democraticamente nos períodos de eleição. Esteja convicto que a reforma da Previdência é "necessária" para o país, enquanto os verdadeiros privilegiados com suas regalias e altos salários fazem a gestão permanente da crise falando em medidas de austeridade ao afirmar que a aposentadoria dos mais pobres é um "privilégio". Considere a formação técnica como algo apartada do processo histórico-político e sócio-econômico das sociedades, para que sirva apenas pra extração de energia e inteligência capturada nas redes de controle do Estado e do mercado. Seja mais um doutrinado que acredita no projeto "escola sem partido". "Aprenda" a ter repúdio das Ciências Humanas como "coisa de esquerdista marxista", e seja mais um idiota imbecilizado pelos projetos de revisionismos, negacionismos e colonialidades promovidos pelas práticas de governo e informações distorcidas através de memes e redes sociais. Confunda a educação com o exercício da delação. Decore o hino nacional sem ao menos ter conhecimento sobre o seu passado. Acredite que religião e conduta moral só prestam se for cristã e menospreze os costumes e crenças de todos os demais. Glamourize o próprio sofrimento sentindo-se resiliente. Sinta-se um "cidadão de bem" ao mesmo tempo em que autoriza a morte do outro que não pensa ou vive igual a você. Seja mais um racista que sempre é o primeiro a negar o racismo. Contudo, seja mais um subjugado e conformado com a ordem, apenas consuma, vote e se endivide cada vez mais. Incorpore a cultura punitiva do castigo. Seja obediente. Seja mais um otário.

11 de abril de 2019

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Não é de hoje que a política de extermínio praticada por agentes militares e policiais é exercida principalmente nos bairros periféricos da cidade, fazendo desses espaços sitiados uma verdadeira zona de conflitos permanentemente monitoradas.

Mesmo após a suposta "reabertura democrática", todos os governos continuaram a utilizar o exército e a polícia como uma força de lei e exceção para controlar e reprimir a população e as classes georreferenciadas como "perigosas".

Não é de hoje que o terrorismo de Estado é celebrado com grande aprovação popular, que a tortura é aplaudida até mesmo nas salas de cinema por setores reacionários da própria sociedade civil.

O que se vê hoje no empoderamento de soldados da morte cada vez mais protegidos pela legalidade para fomentar chacinas e genocídio, está relacionado não apenas aos discursos de ódio da extrema-direita que ascendeu ao poder com toda sua base de milícias, mas também está ligado diretamente às políticas de militarização como "medidas de pacificação" de territórios pobres.

No Brasil, o militarismo crescente nas questões de segurança pública (ou o urbanismo militar, assim como acentua o autor Stephen Grahan) foi fomentado até mesmo pela própria esquerda em prol de megaeventos esportivos.

80 tiros fuzilaram o carro de uma família negra assassinando um pai na frente de seu filho de 7 anos. A furadeira é confundida com uma arma e mais um jovem negro é executado pela polícia. E mesmo assim se vê no dia a dia muitos querendo relativizar ou negar a existência do racismo.

Incêndios em favelas associados às políticas de "reintegração de posse" sobre a qual os moradores são expulsos, roubados pelas autoridades e atingidos por balas de borracha, enquanto vizinhos e motoristas buzinam e comemoram as ações da polícia contra os que são chamados de "vagabundos".

Por isso o governo federal glorifica o golpe civil-militar de 1964, nota-se um nefasto conformismo à ordem por parte daqueles que sempre irão fazer vista grossa sendo coniventes com tais práticas. Por isso atualmente se vê muitos jovens abrandando e enaltecendo a ditadura, convictos de que foi uma “época boa” e sinônima de “mais segurança”, assim como seus pais ou avós também acreditam, pois não é de hoje que tal conformação à ordem autoritária faz com que eles ignorem toda a realidade em sua volta, já que foram frouxos o suficiente de nunca confrontá-la.

Vale ressaltar que a maioria dos que exaltam ditaduras e seus torturadores são cristãos que querem ter armas nas mãos e são arraigados em condutas bélicas que fabricam o seu inimigo a ser eliminado. E toda essa política de Estado baseada no extermínio tem o aval dos setores que exortam o discurso de que “bandido bom é bandido morto” e autorizam militares a matar, como também a prática de atirar primeiro e depois perguntar.

"Primeiro atira, depois aborda"; "policial terá licença para matar"; "excludente de ilicitude pra militar"; "se o militar estiver sob forte emoção poderá ser perdoado". Se vocês são daqueles que apoiam esses discursos e planos de governo e justificam o assassinato cometido por agentes militares com o execrável relativismo dos "80 tiros acidentais", ou no dia 31 de março comemorou a ditadura através das constantes deturpações históricas revisionistas ao qual escondem um passado marcado pelas torturas, execuções e desaparecimentos de corpos, vocês são parte do problema e coniventes com a política de extermínio, racista e genocida do Estado.

Não há "despreparo", "engano", “acidente” ou “incidente”, vivemos numa sociedade que aprova essas práticas de truculência militar e letalidade policial. É por isso que eles fazem isso, pois sabem que terão toda a proteção das leis para seguir atirando em quem considerar "suspeito" ou "bandido", e mesmo que sejam punidos individualmente, não acabará com essa máquina de guerra.

Enquanto parte da população se regozija junto com seus políticos eleitos, aos que não se acomodam nessas construções de subjetividades em constantes redes de vassalagem, se faz cada vez mais urgente criar práticas anticoloniais que irrompem com toda essa racionalidade neoliberal da subserviência.

É no presente que se faz preciso enfrentar e incendiar toda conivência do cidadão-polícia que faz uso da seletividade penal para incentivar as condutas exterministas de seus agentes de farda com medo de qualquer sinal de insurreição.

A tática da revolta extingue o silêncio, com sua potência de recusa às formas de poder, tem a coragem de dizer um basta, de que já não é mais possível tolerar, muito menos consentir com aquilo que um determinado governo nunca deve fazer. Em tempos de demasiada obediência política e silenciamentos, aos insurgentes é preferível a experiência de se escolher e vivenciar o risco da morte ao invés da certeza de obedecer.

16 de janeiro de 2019


E como já era esperado pelos mais argutos, e pode “jair” tirando as próprias conclusões eleitorado convicto e cego do boçalnaro. Cabe reforçar a distinção ao qual ele decretou a flexibilização da posse e não do porte de arma de fogo. Ou seja, poucos vão ter efetivamente acesso legal a uma arma, bem diferente do que muitos incautos imaginavam.

As armas ficarão nas mãos de meia dúzia de “bacanas” e privilegiados que consequentemente poderão perdê-las para os assaltantes no chamado “efeito surpresa”. As armas de uso exclusivo das Forças Armadas continuarão nas mãos de agentes do Estado ou no tráfico através da microfísica dos desvios e contrabandos entre facções, exércitos, polícias e milícias.

Enquanto isso, o enfadonho “cidadão de bem” (a maioria de classe média baixa e alta) se achará o Rambo com seu calibre 38 ou pistola mediana legalizada. Muitos desses com “posse de arma” poderão ser flagrados “portando sua arma” nas ruas, nos estabelecimentos, no trânsito ou na porta de casa tentando resolver conflitos cotidianos à base da bala. O tal “mito” seguirá blindado em seus dispositivos de segurança, enquanto a maioria terá que se virar por conta própria numa situação de risco.

Enfim, a criminalidade continuará, assim como o porte ilegal também. A violência aumentará nos espaços públicos, domésticos, escolares e entre outros lugares.

E você que sustenta o delírio miliciano anticomunista ao se sentir um "opressor" mesmo sendo apenas um oprimido lambe-botas de autoridades através do sonho de possuir uma arma como sinônimo de segurança e poder contra os "esquerdistas" ou quem divergir da sua forma de agir e pensar, com uma possível política de armamento no Brasil, o "outro lado" também se armará cada vez mais. Abrem-se mais espaços, brechas e vetores para que se fomentem os grupos de guerrilhas revolucionárias, insurreições armadas e toda uma recomposição de métodos, táticas e territórios do crime organizado nas relações entre Estado e mercado, pois as indústrias bélicas e armamentistas também lucram muito fazendo a gestão dos ilegalismos e a geopolítica da guerra no interior da máquina neoliberal capitalística.

Contudo, nada mudará e falta de avisar não foi. Não carrego essa culpa e nem a crença ingênua e estúpida em governos, seja eles de direita, esquerda ou centro. Não se trata aqui de “torcer contra” ou postura de isenção, e sim de um enfrentamento direto da luta antifascista para uma incessante desfiguração do poder.

6 de novembro de 2018

A Luta Antifascista não é um Programa

O antifascismo não é uma campanha, e nem um cálculo para a redução de riscos à democracia liberal. Tampouco uma mera oposição à formalidade democrática que busca recompor a normalidade institucional e as melhorias de Estado.

Nota-se que toda potência e luta antifascista vem sendo confundida com os setores que estão sendo cooptados pelos programas de uma racionalidade neoliberal que faz uso de aconselhamentos às condutas moderadas.

A racionalidade neoliberal ajusta as esquerdas para um posicionamento de centro, faz com que o fascismo seja visto apenas como um efeito impulsionado por governos estabelecidos, desconsiderando as forças que procedem de baixo, nas moléculas e dobras de corpos e afetos da própria sociedade cotidianamente.

O discurso neoliberal produz a conduta moderada, como também os impulsionamentos extremistas.

É comum considerarem o fascismo como uma prática de governo e Estado que produz regimes de exceção. O que não se deve esquecer é que tanto o fascismo e o governo da exceção como regra e força de lei são configurados, muitas vezes, em governos democraticamente eleitos, se valendo de forças e organizações difusas, como milicianos ou colaboracionistas individuais atuando como suportes indispensáveis nas medidas punitivas e seletivas aos segmentos sociais por eles esquadrinhados.

A vontade fascista de poder consiste nesse alinhamento da vontade soberana com o desejo e pulsão do direito de matar entre as massas ressentidas e reativas.

Contudo, existe sempre a possibilidade de um determinado líder autoritário falar em defesa da democracia e pacificação para integrar as forças violentas do extremismo fascista nos dispositivos de negociações governamentais e fazer com que a normalização se confunda com o terror.

Após as eleições, o discurso de pacificação e defesa democrática se torna presente nas falas do capitão reformado, enquanto as condutas moderadas tomam forma em clichês isentões de que "todos estamos no mesmo barco".

É preciso se atentar, as lutas antifascistas são incessantes e não um programa ou ativismo temporário, elas cartografam incansavelmente as resistências combativas, como também as barricadas libertárias que não se deixam capturar pelas buscas do poder.

21 de outubro de 2018

Poder Pastoral e Fascismos: Fake News e o Governo de Algoritmos e Milícias

Todo fascista tem quatro elementos principais:

1. O culto da violência, seja ela física ou simbólica.

2. Culto paranoico e exacerbado da nacionalidade e a insensibilidade absoluta com as classes mais vulneráveis que são objetos de violência social reiterada, por exemplo, os grupos que compõem as minorias, os pobres e os imigrantes.

3. Culto à liderança como transferência de decisão e força a partir de uma crença sobre a qual a concentração do poder na mão de um, ou seja, "aquele que vai colocar a mão e mudar tudo" como a renúncia de si para uma instância superior da unidade soberana.

4. A escolha motivada pela frustração ao qual alimenta um desejo de ordem, disciplina e alinhamento social através da vontade de aniquilamento e eliminação.

No Brasil nota-se que essa frustração se traduz nessa busca por parte da população de uma mão forte refletida em um governo militarizado e o desejo de ruptura radical com “tudo que está aí” sem se atentar com o retorno de toda uma tradição autoritária brasileira.

O ex-capitão do Exército com seu discurso punitivista, religioso, conservador, reacionário, objetivo e simplificado conseguiu capturar as insatisfações e os ativismos de “jovens” que se autodeclaravam apartidários em 2013.

No atual contexto brasileiro das eleições se tornou comum ser utilizado como objeto de campanha o gestual de uma arma apontada com as mãos e o comportamento de grande parte daqueles que fazem declarações que louvam e naturalizam a tortura e celebram outras práticas violentas.

Percebemos claramente que é um modelo de campanha que está em blindagem e distanciamento do debate público e alimentada pela produção de Fake News no campo virtual e o uso estratégico das redes sociais, se valendo apenas de vídeos, imagens, mensagens e edições totalmente deturpadoras na gestão dos rumores que circulam nas redes como o Facebook e o WhatsApp produzindo o uso contínuo da mentira como instrumento de mobilização.

Podemos ressaltar os altos investimentos que essa indústria de circulação de notícias falsas tem pelas empresas privadas, exemplos como as metodologias da Cambridge Analytica investindo paulatinamente nessas políticas e campanhas de fomentação de boatos. Seria como um governo de algoritmos que faz emergir os fascismos no interior dos dispositivos democráticos de comunicação.

Seria a democracia o campo possível para o governo de condutas através de algoritmos? E em que medida os próprios dispositivos democráticos de comunicação permitiram nos espaços virtuais e nas ruas as formas mais desavergonhadas de fascismos que estamos vendo hoje?

Em meio a essa indústria de Fake News e captura de condutas pelo governo de algoritmos, percebe-se a problemática do poder pastoral. O pastorado nessas práticas de governo de condutas na qual a renúncia se tornou um projeto de “renovação da política”.

O poder pastoral nas condutas fascistas se faz presente nessa renúncia de si e transferência de decisão e poder na mão de um líder, como aquele que “vai colocar a mão e resolver tudo”, assim como vem acontecendo no Brasil com a crença messiânica de um militar no poder de Estado como sinônimo de mudança.

A forma como o capitão reformado e candidato se expressa, demonstra o modo sobre o qual o poder pastoral se integra na convocação positiva e subjetiva dessa pragmática do rebanho, sempre com um discurso chantagista emocional que apela para o lado pessoal.

Falas do tipo: “Se alguém invadisse sua casa? Você deixaria? ”, para justificar uma prática de criminalização dos movimentos sociais e indígenas. “Se fosse alguém da sua família?”, como um discurso de defesa dos patrimônios e da propriedade privada baseada no armamento da população.

A partir disso, mostra-se uma forma de governo que se configura na produção de milícias em consentimento com o governo federal que libera as parcelas fascistas estabelecerem a abertura de caça aos comunistas imaginários, feministas e “correção de homossexuais”.

Contudo, vemos a autorização da intolerância por parte dos setores fascistas, o modo como fazem uso de inversão de valores e a imputação de culpa aos que são vítimas de atos de violências constantes.

É importante salientar que os ataques contra minorias, adeptos da campanha #elenão, jornalistas e eleitores dos partidos dito de esquerda, como também as ameaças virtuais não são apenas uma questão de partido ou efeito de um golpe, essas práticas fascistas estão disseminadas na sociedade e entranhadas nos corpos e afetos daqueles que fazem proliferar a “solução final” como a sua afirmação do direito de matar quem não pensar e agir igual a eles.

Mesmo que apareça alguém defendendo o seu líder ao dizer que Bolsonaro não tem controle às ações de seus apoiadores, e que por isso não pode ser responsabilizado, é em nome dele que tais práticas estão sendo executadas em vários lugares. Ele no mínimo deveria se retratar publicamente contra essas práticas, algo que ele não faz. A mesma retratação pública de solidariedade que os demais candidatos fizeram quando ele mesmo tomou uma facada. Muito pelo contrário, o que se vê é o ex-capitão do Exército se fazer de vítima em não assumir suas responsabilidades. E cabe lembrar que Bolsonaro foi o único candidato que não se solidarizou até mesmo quando ocorreu o atentado político seguido de assassinato de Marielle Franco. Nem ele e nem seus seguidores, antes mais utilizaram das redes sociais para fazerem a difamação de seus opositores.

Enquanto resultado disso, vemos se fomentar cada vez mais as práticas de governo de condutas do cidadão polícia como a produção de milicianos em concordância com a defesa da sociedade, da propriedade e a razão de Estado através desses regimes de obediência. Nota-se a moralização da democracia enquanto a implantação do terrorismo de Estado a partir da força de lei.

O cidadão polícia é aquele que participa das redes de denúncias produzidas pelo Estado e mercado enquanto um colaboracionista direto no exercício de poder. Ele é o efeito arrebanhado e enfurecido do poder pastoral. Numa ditadura que se disfarçou de redemocratização ao qual conseguiu construir as suas bases sociais e consensos, é possível pensar que com esse apoio advindo de grande parte da própria sociedade, serão produzidos os dispositivos do governo de exceção no Brasil, e ainda irão falar que tudo isso estará dentro do jogo democrático.

É urgente a preocupação com o presente e o diagnóstico crítico e contundente diante do mundo e sociedade em que vivemos. E justamente esse questionamento do agora é que perturba, que nos mostra a urgência de se criar as potências e resistências agonísticas. Hoje vemos que as práticas fascistas são acolhidas nos sistemas partidários, nas leis, no recrudescimento do âmbito institucional, nos programas de saúde e educação, como também nas redes que possibilitam as suas repercussões para uma política maior. É saber que não se conversa com fascistas, o bate-boca é o campo privilegiado deles para irromper as forças físicas através das condições de cidadão polícia ressentido.

É hora de se inventar agonismos que rejeitam as redes dos colaboracionismos do cidadão polícia associado com o capital humano e empreendedor, como também sair da condição de vítima que sempre visa a recomposição dos governos de Estado e do mercado como o resgate e reforço de instituições democráticas. Produzir as práticas livres e difusas de invenções de liberdades é muito mais do que apenas um esforço sustentável de melhorias, e sim como a capacidade cotidiana de resistir ao resiliente e ao repressivo como táticas dispersas de rompimento e obstrução logística das relações de poder entre Estado e sociedade.

14 de outubro de 2018

Esquerdas Contemporâneas, Resiliência e a Ditadura Inacabada: Problemáticas sobre o Fascismo Social no Brasil

Os pactos da Nova República se esgotaram, e devido essas permanências da ditadura conservada no interior de uma "democracia formal" na qual as polícias militares e Forças Armadas se mantiveram intocadas, um novo golpe civil-militar está em curso independente do resultado eleitoral. Os milicos conseguiram conduzir um projeto de transição configurada nos moldes de uma redemocratização normalizada.

Esconder o passado e os arquivos da ditadura foi o papel dos militares que conseguiram atuar nos cargos políticos até os dias de hoje desde o período da transição supostamente democrática.

As esquerdas tiveram todas as oportunidades para levar adiante as comissões da verdade e condenar os militares da ditadura e retirá-los do cenário político, mas nada foi feito. Não confrontaram a presença do militarismo preservado nos consórcios de governo, e quando não se faz essa reforma política, agora não conseguirão confrontá-los.

Hoje ainda é possível notar que as esquerdas preservam essa conduta resiliente e a negação de que estamos numa guerra contra o fascismo social. Elas também seguem um projeto político cooptado pelo neoliberalismo através de negociações e conciliações no jogo do pluralismo jurídico-político. Enquanto no Brasil está em marcha um governo civil-militar teocrático na qual associa o fundamentalismo evangélico para implantar programas ultra neoliberais, bem próximo da experiência ditatorial de Pinochet no Chile.

As redes sociais, assim como as ruas, foram tomadas pelos delírios do anti-petismo e a construção de inimigos políticos (comunismo, esquerdismo e feminismo). Com um discurso de “união nacional” está sendo produzido em larga escala as práticas de brutalidade social, ao querer a união apenas para seus iguais e a vontade de aniquilação para as existências tidas como perturbadoras e ameaçadoras.

As esquerdas no decorrer dos anos se constituíram como gestores da crise ou apenas numa disputa para um “governo melhor” seguindo tal continuidade política configurada numa racionalidade neoliberal. Se outrora as práticas de revolução apenas buscaram a restauração do soberano, agora vemos os desejos por mais Estado e mais direitos a partir das institucionalizações inacabadas das identidades e do empoderamento.

No momento pelo qual o Brasil vivenciou a experiência de ruptura política e recusa radical do poder em 2013, após esse acontecimento se fomentaram com maior intensidade os discursos de ódio e intolerância. As esquerdas não souberam conduzir essas forças de rompimento para uma postura de radicalização política com um horizonte de uma democracia cada vez mais direta, o que se presenciou foi essa radicalidade e aproximação das reais necessidades populares por parte da extrema direita.

Aparenta ser bastante irônico a extrema direita ser aquela que conseguiu conduzir a revolta popular contra o sistema e presenciarmos hoje as forças fascistizantes da sociedade sem a menor vergonha de expressar seus discursos de ódio ou de praticar as mais variadas formas de violência em consentimento com as violências de Estado. Podemos dizer que as subjetivações fascistas atuais são os efeitos desses circuitos de afetos baseado no medo e insegurança, nas condutas conservadoras e reacionárias do anti-estatismo e anti-esquerdismo enquanto resultado desse engodo da redemocratização tutelada em direção ao choque neoliberal.

Ao se pensar sobre essas questões da transição e democracia, temos as possibilidades de se problematizar que as coisas só chegaram a esse ponto devido as relações que essa democracia normalizada teve com os programas de resiliência que implicam na participação ininterrupta aos processos de Estado e mercado, nas minorias compondo a maioridade democrática nas políticas de direitos inacabados, nos confinamentos e ilhas identitárias, com o governo da exceção nos dispositivos de democracia enquanto política como guerra por outros meios, no policiamento de condutas e não apenas restrito nas instituições, na convocação para serem colaboradores da defesa da sociedade, como também nos moldes da escola governamental e democrática e a suavização das penas como método de se “punir melhor”, na passagem de manicômios para clínicas e psiquiatrização a céu aberto e no monitoramento como dispositivo democrático de delação do cidadão-polícia.

E que justamente esses dispositivos foram precisos para acomodar em vários lugares os circuitos e dispersões das lutas agonistas, transformando qualquer sinal de potência e resistência em apenas protagonismos reivindicadores de direitos e participativos na busca de melhorias para o Estado e normas de mercado.

Penso que se não foi decorrente dessas questões ao qual as esquerdas falharam nessa acomodação de forças e afetos a partir da resiliência. Nesses projetos reformistas da segurança, com projetos de pacificação buscando a “polícia boa” com as UPPs, como também com as medidas sócio educativas que conciliam a punição e o castigo com a educação. E cabe mencionar as sociologias e criminologias reformadoras das instituições e as constantes militarizações acompanhadas pelos programas ambientais do desenvolvimento sustentável, ONGs e projetos de ressocialização que não descartam as políticas de reforma das prisões.

De repente essa mesma esquerda pacifista e arraigada numa política de conciliação sempre enxergou a repressão política através da denúncia. Por isso nunca ultrapassaram o protagonismo e a busca incessante pelo centro, e que no presente suavizam ou relativizam o fascismo que estamos vivendo sem se atentar às suas bases sociais. Podem falar de resistências através de binômios, mas ainda não ousaram de fato a potência agonística.

É no presente que se faz urgente criar potências que rompem radicalmente e subjetivamente com a ordem, seja ela vigente nas políticas de Estado como também na própria sociedade. O neoliberalismo na atualidade se produz no governo de si e dos outros, e não somente como uma desregulamentação do mercado pelo "Estado mínimo", assim como o fascismo social que não se expressa apenas nas instâncias superiores de poder, e sim nas práticas difusas e cotidianas presentes no campo social.

É reconhecer que vivemos em uma guerra permanente com os fascismos contemporâneos enquanto uma possibilidade de se produzir práticas agonistas na urgência do agora. Que se potencialize os agonismos ingovernáveis e as insurgências cada vez mais combativas para uma desfiguração do poder e as formas de vida fascista na sociedade.

4 de outubro de 2018

Brasil (2018)

Como diria Theodor Adorno e Max Horkheimer nos tempos em que estava em ascensão o nazismo na Alemanha, como também o fascismo italiano: “tem certas situações históricas onde é muito estúpido ser inteligente”. Há contextos em que parece ser inútil difundir o conhecimento, pois a ignorância se sobressai em todos os lugares.

Isso é válido ser lembrado no atual contexto em que se vive hoje no Brasil em véspera de eleições sobre a qual o vazio da ignorância prevalece e não importa expor fatos e evidências, pois as massas sempre irão defender e idolatrar seus mentores políticos através de crenças messiânicas e personagens cômicos na radicalização de discursos e práticas.

Mas, como todos os conservadorismos e reacionarismos atuais parecem sempre odiar e desqualificar a figura do intelectual combativo e também do historiador, esse é o momento para alguns deles dispensar uma suposta "neutralidade" e retomar o incômodo de pontuar algumas considerações sobre o que vem acontecendo.

Cabe destacar, primeiramente, que após o regime militar de 1964, o país teve que pagar um preço para supostamente entrar numa democracia e decretar a chamada Lei da Anistia, ou seja, um acordo que o atual modelo de governo democrático teria que fazer para "perdoar" os crimes de corrupção, tortura, grupos de extermínio, assassinatos, chacinas, ações extrajudiciais, massacres em cidades e no campo, desaparecimentos forçados, perseguições, ameaças e estupros praticados pelos agentes de Estado nos tempos da ditadura civil-militar.

Isso fez com que muitos desses mesmos agentes hoje se infiltrassem no atual modelo democrático de governo e ainda ocupassem cargos políticos com suas famílias, como também possibilitou que muitos desses setores militares participassem na criação da Constituição de 1988. Esse processo ficou conhecido como um sistema de pactos sociais pós ditadura militar no percurso de uma Nova República e que hoje presenciamos a total corrosão desses pactos e conciliações.

Assim, como houve na Alemanha em negar o passado e a existência do holocausto nazista, esse revisionismo histórico está bastante em curso aqui no Brasil, com setores da sociedade negando a existência da ditadura civil-militar ou contando de uma outra forma os fatos de como realmente aconteceu, sempre relativizando as ações de agentes militares que chegaram a prender, torturar e exilar até mesmo crianças e não apenas subversivos políticos acusados de "comunista".

Nenhum torturador do regime militar foi preso ou indiciado por seus crimes do passado, justamente esse é o motivo para se manter um regime de aparências e teses revisionistas infundadas. Enquanto não apurar os fatos e condenar os responsáveis e seus colaboradores, haverá quem negue que houve ditadura.

Houve de fato um terrorismo de Estado no Brasil no período da ditadura civil-militar, hoje se torna conivente negar tal evidência para se colocar em marcha um novo golpe militar no país, e obviamente tendo o apoio de grande parte da própria sociedade.

Atualmente se pode notar como a guerra civil se tornou uma forma de governo e a violência política se tornou parte constitutiva desse laboratório neoliberal em desdobramento no Brasil.

Nota-se como o ódio político é utilizado na ascensão e reinvenção da extrema direita e no momento em que ocorre um total descrédito e desencanto com as esquerdas que perderam o horizonte de promessas e transformação, como também a perda de postura de uma radicalidade política, assumindo no decorrer dos tempos um viés legalista na qual fez com que a direita absorvesse tal posicionamento de radicalização e aproximação das necessidades populares.

Com isso, vemos no Brasil o neoliberalismo em sua fase mais brutal, como uma racionalidade política que anula qualquer distinção entre partidos de esquerda e direita, embora no campo dos discursos estejam altamente polarizados.

A partir disso, prossegue em circulação muita gente dizendo que o nazismo era de esquerda ou o recrudescimento de ideologias de uma “conspiração comunista” no poder reforçando as constantes polarizações no cenário político.

Nunca é demais recordar que tanto o nazismo quanto o fascismo não têm relação alguma com polarizações, eles sempre se colocaram acima de tudo para representar interesses nacionais de massas e elites.

Toda as práticas de extermínio executados pelo Estado se valeram do apoio popular de grande parte da sociedade na época que tinham o desejo de eliminar a "raça ruim" e revitalizar a ordem do corpo social.

Bastante parecido com a síndrome de um fascismo social que vemos hoje em larga medida no Brasil, com demandas na sociedade pedindo apelo às violências de Estado, como mandantes indiretos das penas escolhendo seus alvos a serem extirpados a qualquer custo ou enxergando nas instâncias superiores de poder o meio mais fácil e mágico para ser executado os serviços sujos de limpeza e restauração da ordem.

No Brasil, poderia se dizer que atualmente está em curso uma governamentalidade ultra neoliberal bastante semelhante com o modelo latino americano da ditadura de Pinochet e o crescimento da extrema direita no mundo.

Há claramente um programa neoliberal no país no auge da radicalização que está em marcha com projetos de “privatização de tudo” e conquistado à bala na emergência máxima de um Estado policial e penal.

E nós que escrevemos textos assim, nos espaços possíveis de diálogo e análise dos acontecimentos, vamos ser os primeiros alvos que tentarão abater nesse atual contexto de brutalização política no Brasil.