9 de dezembro de 2011

Fragmentos

À base da privatização do espaço e governo privado da coisa pública pelo capital, choque de ordem, extermínios, massacres sistemáticos, gestões policiais das regiões pobres, remoções pasteurizadas de favelas, controle violento da pobreza, ocupação militar, especulações imobiliárias e higienismos, o "Rock in Rio" apresentou seus espetáculos em um campo de concentração transformado para turista e "inglês ver". E a cidade de tradição africana, indígena, de imigrantes pobres socialistas e anarquistas, das polacas e prostitutas francesas se converte em um carnaval de patrocínios entre a linguagem marketeira que demonstra a subordinação para projetos e interesses políticos transnacionais e esportivos.
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"They tried to make me go to rehab, but I said, 'No, no, no'"
A morte interrompe fluxos criativos, mas o que é intempestivo afirma a finitude com o vigor incondicional de sua vivacidade e não carrega a ganância da eternidade, e muito menos deposita crenças e sentidos nas promessas de longevidade oferecida por tratamentos mortificantes que dopa, interna e castra em nome do “bem-estar” medicalizado e seus olhares clínicos. O corpo drogado, esquizo experimental potencializa o não ao recusar terapias e os órgãos fascistas e puritanos da sobriedade absoluta. Antes uma póstuma e curta passagem que ousa liberações do que uma vida institucionalizada que perdura em refugos encarcerados.
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A "polícia da paz" anuncia a estratégia de ocupação, controle e ordem como "mediação de conflitos" e já funciona no bairro que se impõe a truculência da internação compulsória. Eis a policização da vida cotidiana apoiada pelos agentes governamentais, recrutas voluntários de associações de bairros, líderes comunitários e integrantes de ONG's. A conduta policial disseminada pelo poder pastoral e amor ao assujeitamento.
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E a Belle Époque continua a lançar ecos sobre as subjetividades e manias chiques e bestas daqueles que gostam de "curtir o frio" nos moldes de seus arquétipos de lareira e inverno natalino ou parisiense. Em contraste aos cafés, chocolates quentes, edredons, casacos e cachecóis, há os que dormem ao relento e que o calor de suas existências ainda incomoda os que cultivam normas, políticas e mentalidades higienistas.
                                                                 ...                                                                                                                                  
Há os que vivem para potencializar-se como ingovernáveis em seus devires e desvios heterotópicos procurando resistir intensamente no interior dos campos e fluxos ao problematizarem o presente acerca de uma ontologia crítica de nós mesmos. Enquanto isso, há também os que buscam cooperar com as formas de governo articulando-se em programas e parcerias como burros necessitadores de práticas, receitas, alternativas e demais "soluções finais".
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Quando um dos seus escritos e pensamentos passa a provocar e a incomodar idiossincrasias ressentidas e despeitadas, logo aparecem os medíocres que tentam te rotular, biografizar ou classificá-lo de algum modo dentro de sistemas rígidos de crenças, partidos, ideologias, religiões, filosofias e ciências a partir de seus juízos simplistas e aprisionados em dualidades, maniqueísmos e tantos outros binários da oposição de valores. O Comenta-dor da vida e do trabalho alheio nada faz além de especular supostas "contradições" de outrem.
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Em contraste ao oba oba de jovens almofadinhas em ascensão, futuros programadores e bajuladores de Steve Jobs e entre outros dúbios, a nova tecnologia dos tablets está sendo utilizada para expandir policiamentos, identificações e rastreamentos de banco de dados e fichas pessoais, atualmente sendo implantadas em viaturas policiais para aperfeiçoar os fluxos computo-informacionais dos monitoramentos fechados e a céu aberto.
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As práticas de higienização são levadas a cabo não só por agentes sanitários repressivos ou alternativos e positivos, como também por tantos outros que atuam como colaboradores da tecnologia do governo das ruas e do Estado em sua capilaridade, contando com o apoio da "sociedade civil" normalizada, inclusive de fiscais participantes das políticas de faxina e segurança ao executarem suas condutas fascistas criminalizando modos de vida e perseguindo os múltiplos nomadismos das cidades. Para reproduzirem suas condutas autoritárias, agem como zeladores da propriedade a partir da pilhagem justificada com argumentos oficialescos.
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O que o discurso da descriminalização não fala: Ela não afeta em nada o tráfico, lucros de bancos, indústrias armamentistas e farmacológicas; não altera a moral proibicionista e a dicotomia usuário e traficante; redimensiona o controle a céu aberto com psiquiatrização e liberdades assistidas; desloca a penalização jurídica para os tratamentos médico-psiquiátricos; reforma a repressão com leis restritivas ao consumo.
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E como já era previsto sobre o que ia ser noticiado acerca dos dez anos do "11 de Setembro", o espetáculo mass-mediático fez uma abordagem acentuando-o como um "evento maior" ao querer imprimir um imperativo mais aterrorizante que as guerras mundiais e os contextos bélicos do pós-guerra. Em seus simulacros monumentais comemoraram a morte do que foi considerado o "inimigo n° 1 dos EUA" ao mesmo tempo sem romper com o traumatismo sem um real trabalho de luto entre o temor de "ameaças" em um por vir indeterminado. Em meio a celebrações e turismos em museus, visitas a cemitérios e em lugares que ocorreram os atentados, a memória congelada de solipsistas cristalizou as imagens da catástrofe e do trauma atenuado e não superado, aos quais são ritualizados em festivais de auto-imunidade a partir de estratégias cada vez mais contínuas do estado de exceção sob os espectros da chamada "guerra ao terror" em constantes deslocamentos. Com uma falsa tolerância e multiculturalismo, prossegue nos EUA a disseminação de propagandas e discursos que financiam a islamofobia, a xenofobia e o racismo.
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Sobre as Conspirologias dos limítrofes de "Inteligência" Iluminada - Os limítrofes posam-se de gênios ou "o escolhido" pelos deuses para revelar uma verdade clarividente que só ele sabe e vê, como se os demais estariam demasiadamente "cegos e enganados" para perceber. Para eles tudo gira em torno de símbolos e rituais sobrecarregados de simulacros, significantes sem significados reais, sua "inteligência" iluminada preenche as prateleiras da erudição fast food e leituras de orelha de pseudo-intelectuais que justificam sua preguiça, dizem não depender de livros, métodos e pesquisas, pois sua "sabedoria" advém de percepções extrasensoriais, ou senão radicalizam fanatismos reativos e imaginários colonizados na conjunção de profecias escatológicas, teorias conspiratórias com questões ideológicas. Nota-se a pirâmide da mediocridade assoberbante que tenta doutrinar a todos com sua especulação miscelânica e mirabolante. O prolixo místico quer fazer crer que o mundo na qual vivemos é uma grande farsa ou coisa parecida, quando se constata algo contrário, logo se mostram com uma "genialidade" não compreendida. Signos inflados, superficialidade acelerada, devaneios fabricados pelos excessos informacionais, modas gnosticistas e sectaristas que compõem elementos a mais nas promoções de vendas e consumos de produtos culturais, liquidação e importação de ideais, hiperrealidades eletrônicas de entretenimentos maciços e virtuais, espiritismos new age de rapsódias raciais e atemporais romantismos. Daqui a pouco irão formular explicações próximas aos revisionistas, negando, relativizando e reelaborando o passado histórico, pois todos são análogos na adoração literária, mitológica e ancestral de ocultismos. Para eles é mais fácil depositar crenças absurdas em invasões alienígenas do que afirmar o próprio destino sem os sustentáculos e tentáculos que buscam origens e fins a partir de hábitos metafísicos e científicos. Para eles é o caminho mais simples culpabilizar e idealizar um topo de manipulação onisciente ou um ponto todo-centralizado e piramidalizado de dominação unilateral e althusseriana do que passar a perceber que o poder não só emana, mas também circula em variáveis relações e é exercido em práticas cotidianas atravessando todas as esferas da vida humana e não apenas nas mãos de uma determinada “classe dominante” ou grupos arcanos.

4 de outubro de 2011

Para um Diagnóstico Intempestivo da Modernidade Política e de uma Sintomatologia da Cultura - Wagner, Rousseau e Schopenhauer compõem a tríade sintomática da neurose moderna e do humanismo docilizante. É a partir dessas patologias que surge a moral da castração que polariza a “natureza humana” em maniqueísmos axiológicos para o cultivo de uma economia dos impulsos e reconfiguração de tipos antropológicos com base em programas biotecnológicos. A mesma condenação do mundo e dos gestos desejantes está presente no projeto político da modernidade entre o apogeu do pessimismo materialista que substitui fundações morais teológicas pela gestão moralista filosófica, científica, artística e eugenética da vida e suas virtualidades pretensamente aumentadas, buscando cura e redenção nos sucedâneos leigos do deus morto e nos refúgios seguros de narcóticos hedonistas. Entretanto, numa perspectiva de sublimação e recusa desses sintomas, o espírito tornado livre produz em si próprio a força para superar esses sinais de fraqueza e decadência colocados como virtude em seus ideais eunucos. O dionisíaco assume e afirma todos os opostos em sua totalidade e entre as tensões e pulsões que não separam mais as razões dos sentidos, a felicidade do sofrimento, a vida da morte e a criação da destruição. O dionisíaco é capaz de elevar-se dispensando qualquer modelo de antropotecnologia.

28 de setembro de 2011

Rizoma - Aurora Incisiva (Instrumental)

Escola Governamental, Indisciplinados Ativos e os Perdedores Radicais

Texto que escrevi em referência à chacina de Realengo no Rio de Janeiro e que também pode trazer problemáticas, críticas e reflexões inacabadas sobre o recente ocorrido com o garoto de 10 anos, pacato, "bom aluno", religioso e de "família estruturada" que atirou nas costas da professora e depois se suicidou. Entre a perplexidade diante do imprevisível e explicações de especialistas estupefatos e dos "normais" sobre transtornos e causas se fomentam cada vez mais os discursos e práticas de medicalização, suspeição e precaução generalizada. Em meio aos alertas, ONG’s, comitês, sedes, prefeituras, delegacias, postos, cidadãos, policiais, jornalistas e entre outros voluntários encontram seu nicho para retomar e investir nas propagandas e campanhas de desarmamento, recomendando o “bom” e o “mal” uso das armas para a garantia do chamado “monopólio da violência legítima do Estado”, o cultivo do militarismo e também sem ousar a tocar nos interesses e lucros das indústrias armamentistas, mascarando os fascismos de cada dia com rótulos e roupagens de democracia. O texto problematiza a lógica da psiquiatrização na sociedade de controle normalizada.


20 de agosto de 2011

Sobre a Repaginação dos Mecanismos Preventivos na Conduta do Acolhedor Profilático

As atuais campanhas contra o crack voltaram a adotar o problema da droga como uma “epidemia urbana”, agora vigente não só nos programas de recolhimento, mas também entre os de “acolhimento” produzido pelas ações de colaboradores das tecnologias do governo das ruas aos quais querem aperfeiçoar as limpezas e profilaxias com tratamentos oferecidos a céu aberto, de modo que a internação e as terapias médico-psiquiátricas passem a ser negociadas, subjetivadas e toleradas como permissivas pelos próprios usuários.
Esses programas de melhorias são apresentados de forma risonha, amigável e positiva, mas na realidade eles só pretendem repaginar o higienismo, as epidemiologias e as políticas de faxina para dar uma roupagem mais negociável de inacabados internamentos, monitoramentos e tratamentos como controle. Eles se valem das disposições e apoios de jovens acolhedores, redutores de danos, da inclusão de alternativos (remunerados ou informais), membros de cooperativas, mediadores de conflitos, familiares, lideranças comunitárias e ongueiras, recrutas voluntários de associações de bairros, universitários, profissionais de prefeituras e secretarias ou os demais funcionários institucionalizados para ampliarem a governamentalidade do Estado, do planeta, da cidade e das ruas.
Muitos dos que foram citados acima desejam integrar as novas estratégias da higienização pelas quais deslocam a operação de ordem policial para os dispositivos punitivos de saúde pública, complementando a compulsoriedade com os jogos de provisoriedade e voluntariedade. Chegam a repudiar a política repressiva e a lógica do aprisionamento massivo, o que não quer dizer que deixaram de ser adeptos de assepsias, de medicalizações, da vontade de internar e do aperfeiçoamento de penalidades e unidades de internação por meio de medidas “alternativas” e sócio educativas. Em compartilhamento com governos, atualizam modelos assistenciais da medicina de saúde mental e cuidados esterilizados das ruas e seus ocupantes, que outrora eram tidos como indesejáveis, agora são alvos da suavização das penas, revitalizações preventivas, consultorias e atendimentos ao “ar livre”.
O não tão novo negócio rentável dos assistencialistas compassivos com os refratários no uso das drogas, procura eliminar os craqueiros das ruas e da cidade com seu suposto “ombro amigo” ao querer seduzir os usuários para os dispositivos de tratamento, fechado ou aberto, fazendo com que eles mesmos se aproximem das instituições de “encaminhamento” em direção às portas de entrada ao “necessário” confinamento.
Contudo, o acolhedor profilático é o agente integrado que busca renovar as operações de limpeza, as práticas higienistas e os mecanismos de prevenção e defesa da sociedade a partir de retóricas humanistas e à base de filantropias no interior de uma democracia representativa que estimula condutas participativas e reformas bem intencionadas.
As políticas de acolhimento compõem as práticas austeras do grande encarceramento e dos recolhimentos a força com a tolerância e a segurança pública articulada com a saúde pública.
A compaixão presunçosa não altera o desprezo e o ódio concentrado sobre aqueles que vagam nas ruas e migram em zonas temporárias com seus cachimbos e pedras, sujeitos a todo e qualquer preço pelas ofertas dos ilegalismos que articulam empreendimentos legais, como também não é capaz de conter os extermínios e as políticas proibicionistas do mercado do tráfico que lucra com o crack, a cocaína e também com o oxi e uniformiza a miséria de milhares de pessoas sob as tutelas e garantias do controle biológico e social da população em suas localidades.
No entanto, sempre permanece aceso o calor existencial dos que recusam os abraços acolhedores e colaboradores das artimanhas de curar, os que não negociam seu próprio corpo, os que não aceitam, sob que pretexto for, as internações, os que dizem um basta ao viés da prevenção geral e programas colaborativos que só servem para restaurar a “boa saúde do Estado” ou do planeta sustentável na perseguição e contenção seletiva de crianças, jovens, negros, mulheres, loucos e subversivos.

17 de agosto de 2011

Breves Considerações acerca dos Protestos nos Subúrbios de Londres


E sempre há o clamor da imprensa, não só de lá como também é o caso de algumas coberturas daqui, por mais repressão e reforço de perseguições policiais, percebemos isso nas perguntas capciosas da jornalista ao entrevistado Mr. Dowe, querendo que ele confirme o discurso corrente que associa mecanicamente crime, “desordem” e imigração.
No entanto, o histórico do racismo ligado à brutalidade policial e às desigualdades sociais está disseminado na sociedade britânica, e não apenas nas práticas da polícia, muitas vezes vigentes nas próprias ações dos manifestantes que entram em conflitos entre si. O fato de jovens negros e brancos protestarem juntos em motins nos bairros de Londres não quer dizer que a segregação racial, a xenofobia e a intolerância às diferenças tenham deixado de existir, recorrentemente somos surpreendidos com idéias, opiniões e pareceres que pretendem ontologizar a violência como um dado natural e cultural dos negros ao condenar as mestiçagens nas cidades européias.
Nota-se o quanto é multifacetada as revoltas no Reino Unido, de um lado elas oscilam em práticas fascistas dispersas no interior de apartheid's sociais, de outro em insurreições populares e liberadoras contra os aparatos repressivos do Estado e do policiamento.
Noutro momento, como reações contra o desemprego e a pobreza ou se levantando em nome de maior acesso aos bens de consumo. Enquanto o Estado e suas extensões fazem a gestão dos distúrbios localizando, identificando e criminalizando protestos ao se valer do monitoramento de banco de dados, censuras, interceptações e cortes de acessos a redes sociais e equipamentos eletrônicos, bem como convocando também os cidadãos para dedurarem uns aos outros ao atribuírem pra si a conduta policialesca.
Esses acontecimentos demonstram o modo como as estratégias governamentais estão utilizando os modelos de um suposto Estado de bem-estar social (Welfare State ou Penal welfarism) para produzir e ampliar as políticas de contenção, criminalização e penalização sobre as periferias e subúrbios.

Colaboradores da Defesa da Sociedade, do Estado e do Planeta

As disposições de governados colaboram para expandir a "saúde do Estado" e conservar a ordem (ou o coro da "desordem" cadenciada militarmente) do corpo social. Os compartilhadores de institucionalidades inacabadas adotam as políticas de tolerância para atualizar práticas de prevenção geral e securitária. Nos fluxos do capital imaterial da sociedade de controle numa democracia representativa e participativa, até os hackers são recrutados, capturados e contratados por empresas, por exemplo, na política de combate ao "crime de hacktivismo", contenção de ameaças cibernéticas e para reforçar a segurança privada, estatal e planetária. Assim como o catador de lixo é convocado por cooperativas ecológicas para participar do desenvolvimento sustentável nos jogos de revitalização das cidades e políticas preventivas de profilaxia urbana.
Muitas vezes, o militante na luta antimanicomial recebe a oportunidade de atuar como agente sanitário na repaginação de arranjos epidemiológicos, no engajamento antipsiquiátrico acolhido pelas campanhas contra as drogas para oferecer tratamentos a céu aberto em áreas georreferenciadas como vulneráveis, até o ponto de a prática de internação e a moral psiquiátrica serem aceitas, subjetivadas e negociadas pelos próprios usuários a partir de "disciplinas positivas" oferecidas por funcionários “flexíveis”. Entre as práticas punitivas, o cidadão passa pela convocação eletrônica da delação e a conduta do policiamento.
Nas crescentes e velozes mobilizações de protestos organizados via redes sociais, microblogs e celulares, o Estado em sua capilaridade se vale dessa velocidade para localizar, identificar e silenciar as manifestações sobre as quais são organizadas por meio de convocações eletrônicas e sob o controle de seus proprietários, mapeamentos de banco de dados e imediatas censuras e interceptações. Os incômodos dos protestos contemporâneos reproduzem nos fluxos do ciberespaço os motes e demandas que sempre convergem para o Estado e leis regulatórias. Giram em torno dos reajustes de um capitalismo sideral, um querer mais Estado distribuído em seguros, moradias, empregos, bens de consumo, escolarização e cuidados ampliados. Presencia-se o modo como ressurge a institucinalização de outros fascismos corroborados enquanto soluções de crises econômicas globais, e também como o modelo do Welfare State vem sendo utilizado para domesticar ou criminalizar, principalmente, as populações periféricas.
Na onda de marchadores autorizados e tutelados pela polícia ao qual dependem do aval de juízes, produz-se a captura de resistências, as variedades tecnológicas do governo das ruas necessita fomentar direitos de participação da sociedade civil para expandir o governo da cidade e do Estado e ainda servir para testar as possibilidades das novas tecnologias computo-informacionais e programas de empresas, dando maior visibilidade a jovens com ações coordenadas e globalmente articuladas pelos fluxos e circuitos difusos das práticas de poder. Todas essas euforias de "protestos.com" passam a servir de colaboradores do governo da vida no planeta e de Estado, mecanismos de subjetivação empresarial e ongueira aos quais incluem minorias como agentes do desenvolvimento sustentável. Desse modo, os colaboradores que visam participar nas instâncias de governo não se interessam por potencializar resistências, querem apenas contribuir para novas empregabilidades e a partir de institutos, núcleos de universidades, escolas, empresas, ONG's, pastorais, associações comunitárias e coordenadorias de crianças e jovens pretendem continuar agilizando funcionamentos e complementar a governamentalização do Estado, da cidade, das ruas e do planeta através de programações colaborativas, empreendedorismos voluntários de si e dos outros e reformismos bem intencionados, moderados e disponíveis a negociações no interior de outros deslocamentos das variedades governamentais descentralizadas.
É preciso não estar acessível aos catálogos e programas de melhorias. Corpos livres não são bens negociáveis, eles não se ajustam aos regimes de castigos e dívidas infinitas, por mais que se apresentem sorridentes, positivos e amigáveis. A combustão do fogo corporal não cessa e nem perde a sua força diante da oferta, negócios e acolhimentos, ela escapa intensamente das redes aperfeiçoadas e imperceptíveis do governo e não aceita fazer parte do exército amesquinhado de colaboracionistas.

28 de julho de 2011

Dos Venenosos que Matam e Curam - Algumas pessoas fingem acreditar umas nas outras. Em seus rumores, depositam falsas expectativas, créditos, méritos ou juízos de valor para posteriormente diminuir e menosprezar o que dizem ser o seu "próximo". Elas o mortificam, e logo em seguida, por compaixão, recomendam a cura para depois ruminar os logros de seus regozijos aos quais depreciam prosperidades, celebram e até mesmo incentivam misérias alheias. Contudo, o desdém ou o pouco caso sempre foram e continuam sendo o assassinato nostálgico executado por aqueles que de forma tardia irão lamentar suas mesquinhas considerações a partir da covardia nomeada de "virtude". Piedade e caridade nunca foram sinônimos de confiança e vitalidade, elas jamais se prestaram para robustecer e revigorar forças. Os patifes com boa consciência agridem e trapaceiam no simulacro de amabilidades, chegando ao ponto de solicitarem perdão após ferir o outro. Eis a presunção dos que berram solidariedade conservando-se hostis e aguardando no covil brindar e comentar destroços de outrem. Nota-se o quanto são asquerosos os venenos que matam e curam, dos que querem cuidar, dissimular afabilidades a alguém e depois torcer para que ele tropece para assim oferecer a sua caridade, típico dos que aplaudem quedas, flagelam o seu "semelhante" e depois apelam por cuidados e filantropias. No entanto, há que se demonstrar sempre o contrário a quem em sua teia espera, imagina ou julga ser algo pouco provável. Contra a frieza dos juízes e dos falaciosos, nenhum dragão morre com venenos e emboscadas de víboras e tarântulas, tampouco devolve humilhações com as mesmas moedas usadas pelos apreços louvados e nutridos por mentiras, pois a sua fartura é demasiadamente fecunda para dispensar a vigília de urubus compassivos e não depender, nem ceder ou receber razões, justiças, castigos e curas de quem roga pragas e depois lambe as feridas.

26 de julho de 2011

Problemáticas acerca do Crescimento da Extrema-Direita na Europa

É cada vez mais grave o crescimento da extrema-direita na Europa e até podemos arriscar em falar que também avança aqui no Brasil. Diferente do que acreditam os mais incautos, as discriminações, o racismo, a censura, as injúrias, a aceitabilidade de políticas anti-imigratórias e a intolerância (que não é expressa apenas pela extrema-direita, como também por democratas) não infectam apenas o plano das ideias. O que está em questão é que a extrema-direita está intervindo no campo das preocupações reais e necessidades concretas das pessoas, como os problemas de se arranjar emprego, acesso à educação, moradia, pagar aluguel e etc., que corroboram os conflitos da convivência com o outro.
Esse é o ponto problemático: os partidos populistas que incentivam a oposição aos imigrantes muçulmanos, à globalização pela qual condena as tendências do multiculturalismo e a mestiçagem estão ganhando força política, onde as pessoas resolvem seu ódio à alteridade votando e aderindo discursos que estimulam a violência contra minorias, imigrantes e causas trabalhistas, chegando ao ponto de recorrerem à acusações de que os ataques a Oslo e à ilha de Utoeya serem atribuídos à Al Qaeda.
O discurso político da extrema-direita sabe das imprecisões e "falhas" do modelo multicultural e abstrato do direito e da sociedade universal que garante coexistência pacífica entre os povos, por isso que investe paulatinamente no plano da vida real e concreta de indivíduos e grupos, incentivando o retorno de identidades nacionais e encorajando reações violentas contra as diferenças. A livre circulação de expressões em redes sociais contribuiu para derrubar governos, como no caso do Egito, por outro lado ela concede maior espaço para que enunciados discriminatórios circulem livremente nos veículos de comunicação, ao ponto das pessoas acharem "normais" e "naturais" opiniões ofensivas a grupos historicamente excluídos.
Os protestos na França, a possível candidatura de Marine Le Pen nas eleições de 2012, as ideologias da extrema-direita que cresce nos países escandinavos e tantos outros acontecimentos demonstram como a extrema-direita está ditando a agenda geral, fazendo com que todos acreditem nas retóricas de defesa nacionalista, intolerâncias anti-imigratórias ou de que os meios mais radicais são necessários, servindo até para desviar a atenção dos serviços de segurança da Europa e dos EUA que estavam muito focados nos “terroristas islâmicos” e se esquecendo das ações de perdedores radicais locais.
A vontade de extermínio do autor do massacre na Noruega estava movida pela amplidão redentora da nação e restauração do corpo social a partir dos valores culturais e religiosos do cristianismo fundamentalista, conservador e islamófobo, querendo realizar de toda forma os modelos de vida fascista com as próprias mãos. Tais efeitos das novas configurações do fascismo contemporâneo demonstram o quanto ele é construído historicamente pelas relações humanas não como estruturas monolíticas e autoritárias de poder, e sim se adequando aos desejos das massas populares concedendo-lhes o exercício direto nas funções estatais de repressão, de controle, de polícia, como o poder de matar, confiscar, delatar e violar. Desse modo, o avanço da extrema-direita na Europa também pode ser analisado a partir dessas práticas de poder que estão esparramadas e investidas no interior da própria parcela da população, assim como estavam entranhadas nos múltiplos mecanismos que constituíram os fenômenos políticos do fascismo e do nazismo.
Para Zizek, toda essa explosão anti-imigratória e organização dos extremistas de direita estariam ligadas ao recuo da política esquerdista, segue abaixo o vídeo de uma de suas entrevistas sobre o tema:



13 de julho de 2011

Manhã (Prod. Rizoma)

O cotidiano inspira sonoridades. A tragédia recomeça de forma incessante e a alvorada reluz exuberância enquanto respiro maior esperança num amanhã e depois de amanhã. A experiência de possíveis passa pela pressão da doença, e após o despertar de longos períodos de convalescência, acordo contando as horas surpreendendo o espírito com dias saudáveis. Algo impele o corpo à paciência, ao desvio, dos pontos de repouso para as linhas de pensamentos solares. Renasce a gratidão de uma vivência que saiu tranquilamente de seu sono (...)

11 de julho de 2011

As Artimanhas do Establishment Edipiano Encenando Orfandade Digressiva

Já se consegue farejar a distância as pretensões e astúcias daqueles que se diziam orfãos atuando como pivôs do capital imaterial e ladinos flexíveis às artimanhas de oportunidades e garantias dos paternalismos institucionais pelas quais capturam afetos a partir de seus feudos, jogos de amabilidades e fraternidades ostrificadas. Perderam a espontaneidade inventiva e desapego criativo, com suas retóricas e condutas moderadas buscam empreender a própria energia “inteligente” em nome de cargos, comissões, títulos, elogios, convites, contratos, funcionalismos, diplomacias e burocracias de toda ordem, como manda o ethos dos “bem estabelecidos” nos programas e que ainda dissimulam devires supostamente desviantes.
Nada escrevem, lêem ou produzem se não for proveitoso para se rechear currículos, adquirir certificados e se auto-promover profissionalmente vislumbrando glórias, protocolos, carreiras e empregos. Ninguém tem tempo, estão ocupados demais para o desvio, quando a oferta aparece, imediatamente são assumidas por aqueles que não ousam dizer "não" tendo em vista compensações e status. É a tal "falta de tempo" acolhida como um prestígio social e que corre a favor não da vivência e experiências de estudos, criações, reflexões e pensamentos livres, e sim justificada para conseguir sair bem colocado em promoções funcionais ou quem sabe numa vaga em atividades administrativas.
Há quem culpabiliza a produtividade exigida na sociedade de controle, mas cabe mencionar também que o sequestro da "falta de tempo", dos assoberbados de trabalho, da "cultura da agitação" compõe o gozo bonificado daqueles que planejam intencionalmente a entrada em programas e seus valores, e que por vezes nem são tão produtivos assim, apenas usufruem desses argumentos para tirar de suas costas as responsabilidades e jogá-las para os outros.
As errâncias digressivas estarão sempre atentas contra as manhas de prolixos que procuram repaginar empreendedorismos absorvendo resistências no financiamento de “alternativos” remunerados, segundo os parâmetros de uma sustentabilidade que utiliza das palavras de transgressão e autogestão para ramificar as máquinas de sequestro e renovar rentáveis negócios de bancos, bolsas, departamentos, bancas de arguição, produtores culturais, artistas, intelectuais, ativistas e ongueiros, todos sequiosos por melhorias, campanhas, parcerias, iniciativas mass-mediáticas, convocações, participações e sobrevivência entre as tutelas de variáveis programas governamentais e organizações internacionais, não-governamentais, universitários e empresariais.
Os sentidos orfãos são intensamente desejantes no espaço em que vivencia, e não puritano como nos “objetivos” escalado pelo cúmplice imitador de adultos ou zelador de fidelidades, hierarquias, obediências voluntárias e regimes de ortologia dos saberes. Em suma, onde há édipos, não haverá digressões. A orfandade não espera as “portas abrirem” como se olhasse o futuro entre buracos de fechaduras, ela não fresta e nem aguarda brechas de um mundo visto e preenchido por intermédio de telas e janelas, ela resiste e potencializa a recusa em relação aos fluxos, enfrenta as tensões e cartografias do tempo presente e questiona a própria contemporaneidade com práticas e potências que expressam de forma incessante a não servidão às finalidades do controle.

24 de junho de 2011

Destino - Instrumental, Prod. Rizoma

A vida como obra de arte numa perspectiva ético-estética da existência: O amor intenso à vida afirma-a integralmente com coragem e aprendizado trágico, superando toda a crença na oposição de valores e abismos alicerçados em consolos metafísicos e renúncias que negam a finitude (...)

23 de junho de 2011

Morte de Osama e Legitimação da Tortura no Âmbito da Governamentalidade Planetária

Os cidadãos estadunidenses – um povo que acredita ser abençoado por Deus na defesa da liberdade – explodiram em júbilo ao realizar sua vingança no assassinato de Osama Bin Laden, procurado "vivo ou morto". Os americanos vivem o clímax de se sentirem seguros, o “alívio” torna-se presentificado, ao mesmo tempo apreensivo e sob o pânico que agrava conflitos, reatividades e espera por represálias de grupos terroristas. O solipsismo autoimunitário comemora em êxtase sua vingança patriótica contra aquele que foi considerado como a "encarnação do mal", enquanto as jaulas democráticas estadunidense ainda permanecem. O trauma se converte em catarse temporária. Não houve o trabalho de luto tendo em vista as vítimas dos ataques de "11 de setembro", somente o espetáculo do mass-mediático em torno do assassinato do "inimigo n° 1 dos EUA". Quando o ressentimento se exacerba em pulsões vingativas, a defesa do “bem” e a lógica da justiça são utilizadas para justificar torturas, testemunhos como técnicas de confissão obrigatória da verdade, suspensão da ordem jurídica, “guerras justas”, estigmatizações da diferença e intolerâncias.
O governo dos EUA, ao reafirmar seus jogos de alianças com seus ditadores de conveniências e aliados de ocasião, encerrou um pacto iniciado durante o contexto da Guerra Fria. Na mídia, especialistas de plantão denunciaram o modo como os EUA invadiram o território paquistanês e violaram o direito internacional ao praticar a eliminação de pessoas sem respeitar os processos legais. Há quem diga que a morte de Bin Laden significou um passo decisivo para a popularidade de Obama e garantia para a sua reeleição. Assim, o assassinato de Osama pelas forças ianques no Paquistão estaria relacionado com as crises econômicas do país, o desemprego, à crise geral do capitalismo e os descumprimentos das promessas feitas por Obama em sua campanha de candidatura. Somente um fato acolhido como excepcional serviria para recompor a aprovação popular e deslanchar pontos nas pesquisas de ibope. 
Na atual democracia a política é a guerra por outros meios e a "justiça" é feita para quem precisa e com as próprias mãos, cabendo ao direito apenas legalizar aquilo que a política instaura como defesa das instituições democráticas e segurança nacional ou planetária. No estilo cowboy Osama foi assassinado, mas os Estados Unidos continuam a autoimunizar-se na guerra contra o terror. A guerra e o espectro da ameaça indeterminada continuam, sobretudo no tempo em que os Estados intervêm com ação coletiva para "sanear" tiranos e regimes que outrora foram úteis e que agora não passam de excesso e “inimigo” anacrônico e obsoleto para o Ocidente e certos interesses não-ocidentais. A Al-Qaeda, cada vez mais elaborada em fluxos, franquias, programas e redes capilarizadas também promete e planeja sua vingança. No intermezzo das redes descentralizadas, organizações terroristas cada vez mais se fragmentam no processo de autonomização de facções atuantes em níveis locais.
Apesar das toneladas de análises que se encontram pelo mundo afora a respeito da justiça e legalidade no assassinato de Osama, cabe discutir a problemática que poucos abordaram, ou seja, sobre a legitimação da tortura como operação e dispositivo de governo. Não é de hoje que a tortura é operacionalizada como uma prática de Estado, e Barack Obama foi eleito precisamente pelo seu discurso de fechamento da prisão de Guantánamo. No entanto, a morte de Bin Laden serviu como uma estratégia dos Estados Unidos fortalecerem a imagem de seu exército e operações especiais que havia sido desgastada pelas ações do governo Bush, procurando redimi-los ao mesmo tempo em que pavimenta a continuidade de sua política no Oriente Médio e norte da África.
O contexto árabe atual tornou-se um campo de disputas e reafirmações de alianças e traições, seja pela coalização de Estados que intervêm de forma transterritorializada em nome da prosperidade do capitalismo globalizado, seja pelo conflito político e ideológico entre as agendas jihadistas islâmicas e as reformas por democratização, transição, eleição e fomentação de direitos. Expandem-se seguranças, estratégias militares, policiais e diplomacias sem limites territoriais de soberania. O combate ao “terrorismo” prossegue nos fluxos de captura global e controle sideral da ordem internacional capitalista e democrática ao convocar e incluir a todos numa participação ininterrupta aos “ecossistemas eletrônicos”, conectividades securitárias e organizações computo-informacionais.
Contudo, as guerras não seguem da mesma forma que antes, elas não dependem de declarações formais ou terminam com tratados de paz, elas percorrem de forma contínua no enfrentamento do Estado com grupos não-estatais, elas seguem nos fluxos de controle e inteligências institucionalizadas, circulam nas permanências de Guantánamo, seguem com a tortura justificada como um "mal menor" na cruzada contra o terrorismo e na cidadania participativa capturada pela exceção normalizada como regra. À medida que a ecopolítica e a governamentalidade planetária oferecem mundos regados a alternativas e qualidade de vida ao deslocar o controle homeostático sobre a vida da população para o controle da vida do planeta, preocupando-se mais com a produtividade de inteligências do que sobre a docilidade do corpo máquina. E o rebanho segue feliz em nome da paz e sustentabilidade manifestando-se em amparo de autorizações, “marchas”, iniciativas não-governamentais, decisões institucionalizadas e incentivado a participar de programas ou políticas públicas articuladas com o empresariado. A ecologia se converte em um monitoramento de condutas, disseminando o policiamento entre cidadãos e produzindo a segurança em campos de concentração a céu aberto. Guantánamo torna-se esquecida e ignorável por aqueles que não falam da abolição dos cárceres e que ainda se valem da utilidade da prisão para ampliar as penalizações e democratizar a participação política e a cidadania na renovação de punições. A tortura prossegue como meio de se adquirir informações e amparada em sigilos e ocultação de memórias e a inteligência é aplaudida pela população zelosa ao planeta e que imediatiza vulnerabilidades.

26 de maio de 2011

Amor Fati como Potência da Vida

Amai o próprio destino e a vida como ela é sem rastejar-se ao dever ser das diretrizes ético-morais que determinam fardos e nos arrastam aos adjetivos transformados em deuses, erros consoladores ou a lugares que repousam a culpa e idealizações edênicas. Superar a si mesmo é a capacidade de viver o próprio destino de forma singular sem resignar-se às regras de sobrevivência individual e coletiva que pesam entre sacrifícios, oferendas, misérias e dívidas eternas, cuja obediência presta contas ao ethos da nação e o mores comunitário ao qual chamamos de "consciência". Potencializar a vida é transvalorar valores e afirmar o próprio destino é criar devires que não se envolvem nas condenações de uma "ciência histórica" ou a escatologia de uma metafísica do tempo. A inocência do vir-a-ser não culpabiliza a existência, ela a aceita em sua integridade trágica sem subtrações e acréscimos. Amar as escolhas é dizer sim à vida destituída de todo e qualquer valor teológico e teleológico.

14 de abril de 2011

Parrhesía e a Potência da Recusa Contra a Ladinagem do Empreendedorismo de Si e Social

parrhesía nada tem a ver com a vocação empreendedora de almofadinhas bem comportados e ardilosos, engravatados ou desencanados que do alto de suas pompas zelam por burocracias e administram suas funções pelo amor ao seu emprego. As verdades parresiastas sempre serão insuportáveis aos profissionais normalizados que lutam para subir na vida. Os moderados posam-se de espertos articuladores à espera de oportunidades e não tem a coragem de recusar e rechaçar negócios. Em busca de um reconhecimento, pretendem ser alguém no futuro ordenando-se como um cidadão devedor ao empreendedorismo pessoal, social e ambiental. Esses não tem o atrevimento e a franqueza das ousadias que experimentam outros percursos, apenas reivindicam melhorias para a condição de sua sobrevivência. Educados para o capital-humano, são movidos a recompensas e regimes de dívidas infinitas almejando a felicidade morna.

"Viver, não é sobreviver".

5 de abril de 2011

Primavera Árabe?


Para intelectuais que simpatizam com os estilos de vida e modismos de joviais moderninhos, a temática sobre as liberdades individuais na atualidade dos conflitos no Oriente Médio e no norte da África passou a ser confundida com a individualidade narcisista permitida nas tecnologias de comunicação e quando se produz expectativas universalizantes do modo de vida ocidentalizado.
Essa nata mencionada acima agora está priorizando argumentos que valorizam a aclimatação de se sentir livres a partir da moldura de perfis em redes sociais, como se democracia contemporânea se reduzisse às ferramentas como a internet, celulares, smart phones, acesso irrestrito ao capital humano de redenção consumista e Aufklärung às fotogenias de luzes nos cabelos, deixando para segundo plano ou desconsiderando questões pertinentes como a suspensão de garantias constitucionais e constante violação de direitos humanos em regimes de exceção. Esse último ponto não interessa mais a eles, preferem idealizar no "mundo árabe" a sua nostalgia por Maio de 68 e se deixando levar pela sensação de liberdade assistida. Mesmo arraigados no universalismo e multiculturalismo ocidental, recaem no pensamento abissal de transportarem seus modelos e olhar etnocêntrico às alteridades, consideram que os árabes estão sofrendo de crises identitárias pela qual suas vontades se direcionam na assimilação ao estilo de vida do Ocidente.
Parece que, o Ocidente e uma leva de sua “geração sexy” (IWEALA) se voltaram para o Oriente Médio e o norte da África com a idéia de afirmar sua superioridade cultural. Mostram-se bem intencionados, e como missionários se engajam em divulgar sua mensagem para o restante do mundo na qual o outro serve apenas para validar a sua própria imagem imaginária.
Em outros termos, percebe-se um esforço de persuasão em que o processo de ocidentalização por via de regra devesse igualar a todos em sua chantagem liberal de “seja igual a nós”, impondo paradoxalmente a própria diferença igualitária simplesmente por não tolerarem a “outridade”.
A leitura desses autores “pós-modernos” que reiteradamente se subterfugiam da análise crítica do presente e questionamento do hoje e agora por conta de seu olhar nostálgico e melancólico do passado e a “primavera” de um futuro romantizado, na sua busca por reconhecimento e entendimento – como uma subjetividade que se projeta no outro na preocupação de definir a si mesmo preservando a sua ontologia ecológica – se mantêm numa certa distância ao mostrar seu respeito e tolerância às diversidades étnicas e religiosas, esses fatores tornam-se válidos apenas por tencionarem pregar seu evangelho multicultural, mesmo que para isto seja preciso se fantasiar de Napoleão Bonaparte ou adotar Kant como o caudilho do momento no sonho capcioso por “revoluções”. Agora, o uso da palavra "revolução" não condiz mais com mudanças radicais, mas reivindicações ajustadas às negociações e protestos realizados em zonas demarcadas e autorizadas. Talvez seja a maneira que encontraram para garantir a sua paz interior na indiferença ocidental pela guerra por outros meios nas arábias.
No fundo, assumiram a posição do budismo europeu e o taoísmo na prosperidade globalizada de interesses capitais. O valor universal da democracia converteu-se numa forma mais eficiente e plastificada da democracia reproduzida nos moldes liberais do capitalismo cognitivoassim como analisou Cocco, Negri e Hardt. Não se pode deixar de notar como o supostamente universalista aposta na "primavera árabe" em nome dos direitos humanos, tradições francesas de liberdade e dignidade e que terminam como uma defesa do modo de vida particular ocidentalista e as coordenadas de sua identidade e cultura. A retirada da burka do Outro-coisa apenas revela a face do nosso escudo protetor impotente diante do “próximo” e incapaz de encarar sujeitos dessubjetivados ao lançar olhares presumidos na dimensão apropriada do “próximo” na distância estratégica das políticas de visibilidade e monitoramento da sociedade de controle.
As organizações governamentais e os conservadores da ordem internacional não estão vislumbrando o espírito de rebeldia da juventude árabe, estão antenados para se auto imunizarem contra ataques fundamentalistas e alardearem um suposto perigo que se apresenta como uma ameaça à sociedade civil transterritorializada ou identificar as insurreições populares como “terrorismo” caso elas ultrapassem os procedimentos seguros e delimitados da reivindicação. O dilema da geopolítica global, especificamente do governo dos Estados Unidos, se baseia no medo de radicais islâmicos chegarem ao poder.
Sob as promessas de progresso e melhoria da qualidade de vida, a modernidade tecnocientífica exibe seu desejo por teleologias querendo mostrar a todos que vale a pena exaltar as virtudes e benefícios do nosso destino moderno e biotecnológico, como algo que o olhar na mancha no outro não pudesse escapar. Contudo, autores ingênuos preferem apostar no direito ao sonho e não no risco de se vivenciar o impossível, como provoca Žižek.
A tal “primavera” se orienta mais em horizontes históricos de produção normativa editados no avigoramento de um futuro indeterminado, não espera por impulsos liberadores, quer ver o "mundo árabe" satisfeito e acomodado com as promessas de democratização, "transição e eleição", assim como foram articuladas sobre as multidões na Tunísia e no Egito. Ao contrário do que anunciam esse prisma com outros países e seus governos, a falsa esperança depositada visa interditar a possibilidade ontológica e política dos conflitos árabes de apropriar-se de suas próprias auroras e abrir-se ao próprio ser não como essência ou atributo construídos ao modo de nossa racionalidade. Nota-se aí a impotência por parte daqueles que pretendem coibir e destruir as experimentações específicas e singulares que provocam a fenda, a ruptura, a abertura para a comunidade que vem, nas palavras de Agamben. Em termos de esclarecimentos que contam os minutos na pretensão de impedir novos devires, a aclamada “primavera árabe”, ufânica e tendenciosa, se aprisiona no sonho do outro e, como diria Deleuze: “Se você ficar preso no sonho do outro, você está fodido”.

Exceção e Regimes de Obediência

Dezembro/2010

Na atual conformação das forças de contestação para as negociações diplomáticas, empreendedoras e moderadas, a cidadania seletiva que produz a vida nua convive na linha tênue de cercos colaborativos. Com unidades, assujeitados prestam obediência às ofensivas de controle quando a segurança policial reforma condutas de uma subserviência voluntária. Apoiam, consentem, gratificam e aplaudem ocupações e repressões estatais. A vontade de sujeição oscila em obedecer aos operadores do tráfico e fazer parcerias às operações de guerra, forças armadas e todo o aparato policial da razão governamental de Estado.
Nos morros desprovidos de serviços públicos e políticas sociais efetivas, parcelas de moradores começam a aceitar noções equivocadas defendidas pelo engodo jornalístico de que o Estado brasileiro se faz presente na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, vindo a existir simplesmente como uma recuperação do tal "monopólio da violência". A falaciosa exortação da "retomada das favelas pelo Estado" desconsidera a historicidade do processo de favelização e segregação urbana socioespacial, oriundo das desigualdades que o Estado sempre ignorou. A imprensa ressalta apenas os braços armados do Estado em espaços segregados. Desse modo, é comum se deparar com posições que associam a miséria e a pobreza às questões criminais, consenso feito pelas camadas mais conservadoras da sociedade, principalmente as que criminalizam os pobres culpabilizando-os por seus sentimentos de medo e insegurança.
As medidas emergenciais são acionadas a posteriori de serem reconhecidos os "fracassos" e limites de longa duração do poder soberano no combate à criminalidade. As prisões colocadas como sistemas "falidos" corroboram em seus próprios disfuncionamentos a gestão de novos ilegalismos que desdobram em encarceramentos massivos.
As convicções de almas governadas vigentes nas cobranças por punições exemplares e direitos securitários, especialistas funcionalizados e intelectuais orgânicos corporativistas estabelecem dicotomias maniqueístas ao policiamento ao se dirigirem na luta contra a corrupção generalizada. Consideram que as ações violentas, abusos, práticas de extermínio, execuções sumárias, torturas sistemáticas e parcerias com o tráfico são meramente "problemas de estruturas" e reformismos institucionais. Reduzem a questão para um problema de nivelamento moral, desconsiderando os processos de racionalização da prática governamental que estabelece metodologias para uma economia política governar e investir de um modo particular em torno da segurança e diminuindo outros custos sociais, e cabe ressaltar os jogos de subjetivação fascista nas tecnologias de si produzidas pelo massmedia capitalístico ao qual orienta as escolhas políticas da polícia numa campanha de escalada bélica e face ao controle militarizado das áreas pobres.
A exceção alçada à condição de dispositivo de governo de todas as democracias para garantir o paradigma de segurança e continuidade do Estado e a seletividade biológica do poder executivo é comemorada como uma promessa de tranquilidade. Assim, alicia as clientelas que "aprendem" a sobreviver em espaços fechados, cercados de proteção e constantemente vigiados ou como objetos de filantropia de programas público-privados de ONGs, mídias, empresas e normas participativas ao arsenal bélico em nome do sonho pela paz. Contudo, proliferam-se desejos de vingança por parte daqueles que favorecem a truculência e reclamam por pena de morte ao atacar os direitos humanos e suas garantias constitucionais, fixando os estigmas da inumanidade dos "bandidos" e "traficantes fugitivos".
Os espectadores de filmes como o "Tropa de Elite 1 e 2", que fazem uso do paradigma bélico nas questões de segurança pública, lotam as salas de cinemas deleitando-se com as cenas de tortura e o espetáculo da execução ao glorificarem a truculência policial como um ato heroico, enquanto seus diretores, sociólogos, ex-policiais, consultorias e diletantes universitários compõem os setores que se promovem com o mercado da violência e do controle do crime, gratificando sucessos na comercialização da cidade apresentada como um território de guerra. Essas produções, apesar de se engajarem como "bem intencionadas", contribuem para a construção de subjetividades de uma "cultura punitiva", demandas que entranham o dogma da pena a partir do senso comum criminológico ao qual favorece a "eficiência exterminista" das operações de segurança. Entre as oscilações de abertura democrática e permanências autoritárias, as resistências se inibem em meio às adesões pelas punitividades. Contingentes celebram o autoritarismo que antes era visto como inimigo, hoje como "heróis da libertação".
A obrigação de todos a cumprirem um contrato social mofado se transforma em cooptação com as invasões militares, sustentam a figura e a necessidade nostálgica pelos tentáculos de Leviatã, que no momento teme a “contaminação” de seu exército. Os poderosos chefes do comércio de drogas ilícitas continuam ilesos e intocados, pois usufruem de proteção jurídica, respaldo político e influências legalmente constituídas, enquanto os corpos de seus agentes, a maioria compostos de jovens que habitam nas periferias ao qual tocam o varejo da droga e ocupam pequenos, médios ou grandes cargos na hierarquia local do tráfico, são eminentemente brutalizados tornando-se descartáveis e vidas matáveis na vaga classificação da “guerra contra o tráfico” e por aqueles que se beneficiam e administram a economia proibicionista do mercado multinacional e conexionista das drogas em correlação com os lucros concentrados pelas indústrias armamentistas, a lógica formal do Estado articulada nas redes de ilícitos do capitalismo criminal-informal. Neste sentido, superlotam os sistemas penitenciários ao criminalizar grupos historicamente marginalizados. O massacre sistemático e o aumento da população carcerária configuram-se em fonte de renda e do capital financeiro dos que buscam preservar o patrimônio privado dos sistemas prisionais, sobretudo os de segurança máxima, e continuidade de programas governamentais, que também favorecem os interesses da grande imprensa e do oportunismo eleitoral ao qual fazem vistas grossas para as questões de fundo.
Para isso, iniciativas privadas e públicas investem milhões em Programas de Aceleração do Crescimento em que se utiliza da domesticação e disciplina social para formar consensos e colaborações nas “comunidades”. O combate e expulsão de “traficantes” e suas sócias milícias administradas – escondendo seus rendimentos na aplicação do poder – atuam na batalha estratégica de implementação do PAC em espaços georreferenciados como “áreas de vulnerabilidade e de risco”. Neste panorama, poucos se opuseram aos excessos de ações policiais, muitos ainda depositam esperanças nas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) – e suas estratégias de geopolítica urbana que atende aos serviços de especulação imobiliária e capital turístico – e no aumento salarial para policiais, apostando em treinamentos no embate aos milicianos e restauração da "ordem contra o caos". As chamadas lideranças comunitárias assumem o papel de condutores de consciências capturadas.
As políticas públicas no Rio estão cada vez mais a favor do poder privatizado das franquias, dos produtos industrializados e o governo privado da coisa pública pelo capital. Com as justificativas de levar melhorias com as obras dos Jogos Olímpicos e Copa do Mundo aos espaços desatendidos, o que se constata são os variáveis empreendedorismos ordenando o controle de contenção truculenta da pobreza pelo Estado Policial, e as UPPs são os deslocamentos dessa estratégia de policização da vida cotidiana e da "reconquista" militar nas comunidades pobres. A geograficidade dessas unidades é difundida pelas agências publicitárias como um marketing perverso para a realização de megaeventos de rock e esportivos.
Por isso se faz perceber o consentimento massivo às delações ou à vigilância policial que se intervém e visa penetrar em todos os elementos da vida cotidiana, de modo a evitar transparecer como arbitrariedade e excesso, mas mantendo o "controle utilizado com todos os meios necessários" como uma garantia e solicitude de um “pacto de seguridade” do Estado com a população governada pela modalidade do poder pastoral.
Apesar de todos os ufanismos punitivos, da ladainha imediatista da imprensa marrom espetacularizada, sabe-se que o tráfico não cessará. A idealização de um modelo pacificador, a corrida de preparar os cenários de 2014/2016 limpos, planejados e seguros e o amor que rodeia as populações que "só querem ser felizes" num campo favelizado protegido pelas muralhas da "força de lei" e manutenção da ordem, projetos higienistas de apartheid social, ecopolíticas homeostáticas e instalação das tecnologias de monitoramento a fim de identificar áreas e grupos como perigosos e difundir quimeras de "felicidade" com base na vigilância e controle a céu aberto, irão se defrontar com uma nova redefinição territorial do tráfico, divisão de territórios entre as extensões de polícia e tráfico (sem a polaridade que muitos costumam acreditar em nome de suas simplificações dramáticas), novos cargos distribuídos às milícias, reorganização de estratégias e atuações, assim como são moduladas pelas facções em práticas paulistas. A governamentalidade do Primeiro Comando da Capital talvez sirva de referência para a reorganização e fluxo do tráfico no Rio de Janeiro, redimensionando o modelo que parecia ser territorializado e sedentário.
A crença no War on Drugs e ondas de criminalização pelas agências do sistema penal reforçam os dispositivos genocidas e as fantasmagorias moralizadoras, a fraude midiática apenas trata com opacidade as novas crises e mortes que irão surgir, não há escatologias na lógica da guerra e na rede maquínica e microfísica do lucrativo mercado internacional das drogas e negociações desviantes de armas, não ocorre da maneira como anunciam os meios de comunicação com suas retóricas triunfalistas e imagens espetaculares e cinematográficas.
Outros setores mais solipsistas procuram entender os conflitos sob a ótica apressada que tende a monumentalizar um "acontecimento maior", totalmente presentificado numa amnésia histórica entusiasmada em aclamar uma suposta "vitória" ao crime organizado ao qual mitifica a narrativa do agora encoberto de ineditismos ao produzir o esquecimento do passado. Tais presentificações chegam a se vangloriar das ocupações "sem banho de sangue", como se as mortes ocorridas fossem algo desprezíveis e irrelevantes pela grandiosidade do evento em curso, reativando a seletividade de uma violência sem luto.
Permanências da militarização nas zonas indeterminadas do estado de exceção – que se exerce como regra no interior da representatividade de um Estado democrático de direito – e sua thanatopolítica; ampliação de disputas mercadológicas e programas governamentais; a busca pela legitimidade da defesa social que fomenta opressão, perseguição, mecanismos assassínios e disposição/exposição de morte; ajudas e solidariedades docilizadas concedidas às instituições cuja única finalidade é preservar a ordem estabelecida; no bojo dos conflitos civis que passam a ser naturalizados ou virtualizados por simulações e simulacros da indústria de entretenimento tecnológico (com suas pretensões de "hiperrealidades" aos quais ressignificam signos flutuantes em estetizações triviais e mediatizadas), a violência se tornou líquida e os empreendedorismos racionalizam modernizar a guerra por outros meios e aperfeiçoar a eficácia dos regimes liberais e neoliberais que constituem as formas de obediência e renúncia de si mesmo, visando regulamentar e impedir as relações pelas quais criam resistências que possibilitam a coragem de se pensar em ser mais livres. Mas, nem todos esgotaram suas potências, pois onde há poder, há devires que se voltam contra as autoridades, experimentando limiares de intensas desobediências. A cobertura midiática e seus dados estatísticos não mostrarão as forças de recusa, desaprovações e insurreições contra as subordinações construídas para atender projetos de gestão policial e interesses políticos transnacionais.

Arte e Niilismo: Algumas Marteladas Intempestivas

Julho/2010

Aqui vos falo francamente...
Não carrego dívidas... Muito menos com aqueles que se dizem artistas. Tal excerto breve e intempestivo elabora a própria vida como uma obra de arte e não um objeto de negação da finitude e consolação metafísica.
Há processos de subjetivação nas artes de viver, no uso dos prazeres e costumes, e não uma contemplação mimética do mundo que adota a arte como um propósito de redenção essencialista pelas crenças teológicas e seus sucedâneos axiológicos esvaziados entre as diversas conformidades sociais e culturais.
Para mim é motivo de ironia e sarcasmo os modos aos quais certos sujeitos se prestam encantadamente aos regimes de obediência em seus aspectos práticos e simbólicos, como se fossem vassalos anacrônicos distantes de seu tempo presente, fadados a governar a si mesmo em representatividade a um Édipo que veio a se tornar universal e transcendental a partir de imaginários fabricados pelo mass media e o controle do biocapital sobre processos identitários. É cômico e enfadonho a tolice e o esgotamento reativo de fanáticos que se deixam levar por fetiches, arquétipos e simulacros de um matriarcalismo ecológico enquanto prova de fidelidade e projeção de sua servidão voluntária ao nada e justificativa de disseminar o seu ódio contra a "humanidade". Provocam-me risos de escárnio e deboche o sofrimento ascético dos renunciadores e também a moral dos hedonistas. Não passam de sacerdotes fantasiados pela má consciência que reativam cultos fetichistas ao sagrado como anestésico profano de libertinagens, desespero e sentimento de perda diante do vácuo de valor.
Há em seus movimentos de vanguarda a comodificação estabelecida nos mais execráveis conglomerados culturais e o falso pensamento crítico de certas demandas de "subcultura" submetidas às artimanhas da grande muralha simbólica da doxa. Seus devaneios são meros subprodutos difundidos na vulgata planetária do capitalismo global e discursos neoliberais. Disseco seus disfarces que tentam reduzir tradições históricas singulares às preocupações narcisistas do momento, produzindo significados vazios e desparticularizados pela falsa universalização e axiomatização fictícia da racionalidade imperialista. Esses fanatismos propagam a violência não apenas no campo da coerção física das relações de dominação, como também fazem uso do forjamento de signos que tem a função de transformar em “lugares-comuns” realidades complexas que possuem suas próprias particularidades históricas. Assim, a dominação simbólica oculta os significados originais das experimentações históricas singulares, ao fazer com que sejam desconhecidas como tais e reconhecidas como universais a partir de vernizes modernosos e instrumentos de desistoricização e despolitização.
Por outro lado, se faz notar a demagogia e a hipocrisia cada vez mais vigente na afeição de algumas parcelas de especialistas pelos modos de vida dos chamados excluídos. Os grupos sociais considerados marginalizados passaram a ser visados também pelos cordeiros universitários dedicados e bajuladores, que a partir de seu exotismo étnico e urbano colonizam, expropriam e revendem formas de vida e subjetividade em nome do oportunismo de suas carreiras acadêmicas financiadas e incentivadas por programas de bolsas de estudos (muitas vezes concedidas a quem não precisa), benefícios de ordem e cooperação estatal, orientações nepóticas/paternalistas e as variáveis governamentais das tutelagens meritocráticas ou racialistas.
A curiosidade fútil e academicista típica de socialite; as agências prestadoras de serviços assistenciais que gerenciam a manutenção de misérias governadas; a compaixão vitimizadora do rebanho competente mobilizado pelo aliciamento epistêmico das instituições do conhecimento que medem o valor das produções e resultados de pesquisa por critérios e modelos quantitativos; profissionais incumbidos de recensear e delimitar estatísticas e os georreferenciamentos de risco e "vulnerabilidade" para o governo ecopolítico e homeostático da segurança. A meu ver são avatares adequados à onda do politicamente correto e aos compromissos da economia material e imaterial da máquina capitalística cultural e conexionista, pois partem da expropriação das redes de vida e comercialização de territórios existenciais por meio de vendas massivas de livros, acessos constantes e acelerados às imagens, informações, museus, galerias, ONGs, turismos, ativismos humanitários das "ciências de sustentabilidade", campanhas publicitárias, matérias jornalísticas, etnografias, pesquisas de campo e de cátedra, colóquios, fluxos de publicação em curto prazo de revistas, artigos, relatórios, entrevistas e pareceres especializados que prometem fórmulas de felicidades utilizando-se das realizações consumistas e interesses vampirizados que sugam as formas de vida singular e coletiva como algo efêmero e descartável.
Aponto de forma contundente o quanto a academia e os princípios de cidadania se assujeitam aos dispositivos de captura, trabalhando para os mapeamentos da administração punitiva e preventiva tendo como suporte a tautologia de sociologias, geografias, arqueologias e antropologias funcionalistas que oferecem as bases descritivas para uma intelligentsia  expandir a repressão, a defesa social e a positividade biopolítica do poder normalizador em torno dos investimentos afetivos e cognitivos de capital humano segundo os paradigmas da ciência econômica que planejam regulamentar as respectivas sociabilidades.
Pronuncio agora impiedosamente e com devido rigor a sentença do trágico contra todos os empreendimentos inconsistentes e desprezíveis que pretendem esmagar a potência do pensamento e da arte como afirmação de vida quando tentam vulgarizar, desistoricizar e capturar as singularidades com a justificativa retórica e dialética da comunhão e tribalismos planetarizados sob o tropo de perfumarias teóricas, ideológicas e literárias que naturalizam as desigualdades, aromatizam os conflitos, "toleram" a cristalização de identidades essencializadas congelando-as no tempo e na história, incentivam a diversidade para administrá-la entre a promoção de anistia aos genocídios e a amnésia dos massacres em troca de diferenciações "ecléticas", folclóricas, incautas e acríticas. Repetem da pior forma os vícios doutrinários do naturalismo ao personificar os fenômenos naturais como um ente vingativo e peremptório. Não confundam as multipheidades rizomáticas com as lógicas binárias das ramificações arborescentes ou com as hierarquias totalitárias e fasciculadas do sistema-radícula, nem tampouco associá-las à teleologia cosmopolita dos sectários.
Como seria interessante se o lugar da arte reservasse a coragem bárbara e nômade de um antiplatonismo ou a perspectiva antiaristotélica da arte. Nesse espaço heterotópico e real ela iria se despir cinicamente como um intenso devir dionisíaco de desmascaramento estético da existência humana. Potencializaria atitudes parresiastas incapturáveis ao invés de sustentar artifícios místicos falidos em meio à insegurança ontológica e o invólucro multiculturalista idílico na moda dos pós-modernos etnocêntricos, diletantes e moribundos em seus hermetismos pseudo-xamânicos entusiasmados e volúveis. Descolecionaria bens culturais e simbólicos para escapar das teias hegemônicas do globalitarismo e os abismos do neocolonialismo. A fascinação e olhar exótico lançado às alteridades não se difere do projeto de ocidentalização da modernidade, rebelar-se de seus padrões culturais para se entregar inteiramente ao encantamento da “cultura do outro” se estende como uma outra face da colonialidade do saber-poder.
A arte é criação e transformação da própria vida, e não evasão contemplativa do homem na busca passiva pelo eterno ou inóspito. A arte de viver possibilita desvios, produção de agenciamentos singulares e coletivos desterritorializados, dobra de fora das resistências enquanto contra-poder às disciplinas despóticas, saídas e linhas de fugas para livrar-se dos microfascismos, da paixão sintomática pelo poder e das instâncias de soberania que dita as normas daquilo que se deve ou não fazer através da governança de hábitos cotidianos. A vida como obra de arte não plagia os sentidos da existência a procura de referenciais nostálgicos opacos na sombra de fundamentos insubsistentes, cartografa vetores de escape aos mapas, séries e sequestros de inclusão total e exclusão maciça, desnaturaliza conceitos ao se esquivar de categorias e estereótipos, se descola das ofertas e mediações do capital ao produzir sua autovalorização insubordinável, ela tem a capacidade de construir e reinventar territórios subjetivos que experimentam forças autônomas de vitalidades.