5 de abril de 2011

Primavera Árabe?


Para intelectuais que simpatizam com os estilos de vida e modismos de joviais moderninhos, a temática sobre as liberdades individuais na atualidade dos conflitos no Oriente Médio e no norte da África passou a ser confundida com a individualidade narcisista permitida nas tecnologias de comunicação e quando se produz expectativas universalizantes do modo de vida ocidentalizado.
Essa nata mencionada acima agora está priorizando argumentos que valorizam a aclimatação de se sentir livres a partir da moldura de perfis em redes sociais, como se democracia contemporânea se reduzisse às ferramentas como a internet, celulares, smart phones, acesso irrestrito ao capital humano de redenção consumista e Aufklärung às fotogenias de luzes nos cabelos, deixando para segundo plano ou desconsiderando questões pertinentes como a suspensão de garantias constitucionais e constante violação de direitos humanos em regimes de exceção. Esse último ponto não interessa mais a eles, preferem idealizar no "mundo árabe" a sua nostalgia por Maio de 68 e se deixando levar pela sensação de liberdade assistida. Mesmo arraigados no universalismo e multiculturalismo ocidental, recaem no pensamento abissal de transportarem seus modelos e olhar etnocêntrico às alteridades, consideram que os árabes estão sofrendo de crises identitárias pela qual suas vontades se direcionam na assimilação ao estilo de vida do Ocidente.
Parece que, o Ocidente e uma leva de sua “geração sexy” (IWEALA) se voltaram para o Oriente Médio e o norte da África com a idéia de afirmar sua superioridade cultural. Mostram-se bem intencionados, e como missionários se engajam em divulgar sua mensagem para o restante do mundo na qual o outro serve apenas para validar a sua própria imagem imaginária.
Em outros termos, percebe-se um esforço de persuasão em que o processo de ocidentalização por via de regra devesse igualar a todos em sua chantagem liberal de “seja igual a nós”, impondo paradoxalmente a própria diferença igualitária simplesmente por não tolerarem a “outridade”.
A leitura desses autores “pós-modernos” que reiteradamente se subterfugiam da análise crítica do presente e questionamento do hoje e agora por conta de seu olhar nostálgico e melancólico do passado e a “primavera” de um futuro romantizado, na sua busca por reconhecimento e entendimento – como uma subjetividade que se projeta no outro na preocupação de definir a si mesmo preservando a sua ontologia ecológica – se mantêm numa certa distância ao mostrar seu respeito e tolerância às diversidades étnicas e religiosas, esses fatores tornam-se válidos apenas por tencionarem pregar seu evangelho multicultural, mesmo que para isto seja preciso se fantasiar de Napoleão Bonaparte ou adotar Kant como o caudilho do momento no sonho capcioso por “revoluções”. Agora, o uso da palavra "revolução" não condiz mais com mudanças radicais, mas reivindicações ajustadas às negociações e protestos realizados em zonas demarcadas e autorizadas. Talvez seja a maneira que encontraram para garantir a sua paz interior na indiferença ocidental pela guerra por outros meios nas arábias.
No fundo, assumiram a posição do budismo europeu e o taoísmo na prosperidade globalizada de interesses capitais. O valor universal da democracia converteu-se numa forma mais eficiente e plastificada da democracia reproduzida nos moldes liberais do capitalismo cognitivoassim como analisou Cocco, Negri e Hardt. Não se pode deixar de notar como o supostamente universalista aposta na "primavera árabe" em nome dos direitos humanos, tradições francesas de liberdade e dignidade e que terminam como uma defesa do modo de vida particular ocidentalista e as coordenadas de sua identidade e cultura. A retirada da burka do Outro-coisa apenas revela a face do nosso escudo protetor impotente diante do “próximo” e incapaz de encarar sujeitos dessubjetivados ao lançar olhares presumidos na dimensão apropriada do “próximo” na distância estratégica das políticas de visibilidade e monitoramento da sociedade de controle.
As organizações governamentais e os conservadores da ordem internacional não estão vislumbrando o espírito de rebeldia da juventude árabe, estão antenados para se auto imunizarem contra ataques fundamentalistas e alardearem um suposto perigo que se apresenta como uma ameaça à sociedade civil transterritorializada ou identificar as insurreições populares como “terrorismo” caso elas ultrapassem os procedimentos seguros e delimitados da reivindicação. O dilema da geopolítica global, especificamente do governo dos Estados Unidos, se baseia no medo de radicais islâmicos chegarem ao poder.
Sob as promessas de progresso e melhoria da qualidade de vida, a modernidade tecnocientífica exibe seu desejo por teleologias querendo mostrar a todos que vale a pena exaltar as virtudes e benefícios do nosso destino moderno e biotecnológico, como algo que o olhar na mancha no outro não pudesse escapar. Contudo, autores ingênuos preferem apostar no direito ao sonho e não no risco de se vivenciar o impossível, como provoca Žižek.
A tal “primavera” se orienta mais em horizontes históricos de produção normativa editados no avigoramento de um futuro indeterminado, não espera por impulsos liberadores, quer ver o "mundo árabe" satisfeito e acomodado com as promessas de democratização, "transição e eleição", assim como foram articuladas sobre as multidões na Tunísia e no Egito. Ao contrário do que anunciam esse prisma com outros países e seus governos, a falsa esperança depositada visa interditar a possibilidade ontológica e política dos conflitos árabes de apropriar-se de suas próprias auroras e abrir-se ao próprio ser não como essência ou atributo construídos ao modo de nossa racionalidade. Nota-se aí a impotência por parte daqueles que pretendem coibir e destruir as experimentações específicas e singulares que provocam a fenda, a ruptura, a abertura para a comunidade que vem, nas palavras de Agamben. Em termos de esclarecimentos que contam os minutos na pretensão de impedir novos devires, a aclamada “primavera árabe”, ufânica e tendenciosa, se aprisiona no sonho do outro e, como diria Deleuze: “Se você ficar preso no sonho do outro, você está fodido”.

Um comentário:

  1. oLÁ,

    As pririzações da "nata intelectual ocidental" é diretamente proporcional aos ganhos de capital que terão seus patrões... defende-se revolução liberal no Egito, pois favorecerá o lucro das grandes empresas européias/americanas... defende-se a estabilidade autoritária na China, pois as grandes corporações estão lá dentro, faturando e enriquecendo, a custa da escravidão de trabalhadores. Oh, Mundo Cruel...
    Parabéns pelo seu blog.

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