5 de abril de 2011

Arte e Niilismo: Algumas Marteladas Intempestivas

Julho/2010

Aqui vos falo francamente...
Não carrego dívidas... Muito menos com aqueles que se dizem artistas. Tal excerto breve e intempestivo elabora a própria vida como uma obra de arte e não um objeto de negação da finitude e consolação metafísica.
Há processos de subjetivação nas artes de viver, no uso dos prazeres e costumes, e não uma contemplação mimética do mundo que adota a arte como um propósito de redenção essencialista pelas crenças teológicas e seus sucedâneos axiológicos esvaziados entre as diversas conformidades sociais e culturais.
Para mim é motivo de ironia e sarcasmo os modos aos quais certos sujeitos se prestam encantadamente aos regimes de obediência em seus aspectos práticos e simbólicos, como se fossem vassalos anacrônicos distantes de seu tempo presente, fadados a governar a si mesmo em representatividade a um Édipo que veio a se tornar universal e transcendental a partir de imaginários fabricados pelo mass media e o controle do biocapital sobre processos identitários. É cômico e enfadonho a tolice e o esgotamento reativo de fanáticos que se deixam levar por fetiches, arquétipos e simulacros de um matriarcalismo ecológico enquanto prova de fidelidade e projeção de sua servidão voluntária ao nada e justificativa de disseminar o seu ódio contra a "humanidade". Provocam-me risos de escárnio e deboche o sofrimento ascético dos renunciadores e também a moral dos hedonistas. Não passam de sacerdotes fantasiados pela má consciência que reativam cultos fetichistas ao sagrado como anestésico profano de libertinagens, desespero e sentimento de perda diante do vácuo de valor.
Há em seus movimentos de vanguarda a comodificação estabelecida nos mais execráveis conglomerados culturais e o falso pensamento crítico de certas demandas de "subcultura" submetidas às artimanhas da grande muralha simbólica da doxa. Seus devaneios são meros subprodutos difundidos na vulgata planetária do capitalismo global e discursos neoliberais. Disseco seus disfarces que tentam reduzir tradições históricas singulares às preocupações narcisistas do momento, produzindo significados vazios e desparticularizados pela falsa universalização e axiomatização fictícia da racionalidade imperialista. Esses fanatismos propagam a violência não apenas no campo da coerção física das relações de dominação, como também fazem uso do forjamento de signos que tem a função de transformar em “lugares-comuns” realidades complexas que possuem suas próprias particularidades históricas. Assim, a dominação simbólica oculta os significados originais das experimentações históricas singulares, ao fazer com que sejam desconhecidas como tais e reconhecidas como universais a partir de vernizes modernosos e instrumentos de desistoricização e despolitização.
Por outro lado, se faz notar a demagogia e a hipocrisia cada vez mais vigente na afeição de algumas parcelas de especialistas pelos modos de vida dos chamados excluídos. Os grupos sociais considerados marginalizados passaram a ser visados também pelos cordeiros universitários dedicados e bajuladores, que a partir de seu exotismo étnico e urbano colonizam, expropriam e revendem formas de vida e subjetividade em nome do oportunismo de suas carreiras acadêmicas financiadas e incentivadas por programas de bolsas de estudos (muitas vezes concedidas a quem não precisa), benefícios de ordem e cooperação estatal, orientações nepóticas/paternalistas e as variáveis governamentais das tutelagens meritocráticas ou racialistas.
A curiosidade fútil e academicista típica de socialite; as agências prestadoras de serviços assistenciais que gerenciam a manutenção de misérias governadas; a compaixão vitimizadora do rebanho competente mobilizado pelo aliciamento epistêmico das instituições do conhecimento que medem o valor das produções e resultados de pesquisa por critérios e modelos quantitativos; profissionais incumbidos de recensear e delimitar estatísticas e os georreferenciamentos de risco e "vulnerabilidade" para o governo ecopolítico e homeostático da segurança. A meu ver são avatares adequados à onda do politicamente correto e aos compromissos da economia material e imaterial da máquina capitalística cultural e conexionista, pois partem da expropriação das redes de vida e comercialização de territórios existenciais por meio de vendas massivas de livros, acessos constantes e acelerados às imagens, informações, museus, galerias, ONGs, turismos, ativismos humanitários das "ciências de sustentabilidade", campanhas publicitárias, matérias jornalísticas, etnografias, pesquisas de campo e de cátedra, colóquios, fluxos de publicação em curto prazo de revistas, artigos, relatórios, entrevistas e pareceres especializados que prometem fórmulas de felicidades utilizando-se das realizações consumistas e interesses vampirizados que sugam as formas de vida singular e coletiva como algo efêmero e descartável.
Aponto de forma contundente o quanto a academia e os princípios de cidadania se assujeitam aos dispositivos de captura, trabalhando para os mapeamentos da administração punitiva e preventiva tendo como suporte a tautologia de sociologias, geografias, arqueologias e antropologias funcionalistas que oferecem as bases descritivas para uma intelligentsia  expandir a repressão, a defesa social e a positividade biopolítica do poder normalizador em torno dos investimentos afetivos e cognitivos de capital humano segundo os paradigmas da ciência econômica que planejam regulamentar as respectivas sociabilidades.
Pronuncio agora impiedosamente e com devido rigor a sentença do trágico contra todos os empreendimentos inconsistentes e desprezíveis que pretendem esmagar a potência do pensamento e da arte como afirmação de vida quando tentam vulgarizar, desistoricizar e capturar as singularidades com a justificativa retórica e dialética da comunhão e tribalismos planetarizados sob o tropo de perfumarias teóricas, ideológicas e literárias que naturalizam as desigualdades, aromatizam os conflitos, "toleram" a cristalização de identidades essencializadas congelando-as no tempo e na história, incentivam a diversidade para administrá-la entre a promoção de anistia aos genocídios e a amnésia dos massacres em troca de diferenciações "ecléticas", folclóricas, incautas e acríticas. Repetem da pior forma os vícios doutrinários do naturalismo ao personificar os fenômenos naturais como um ente vingativo e peremptório. Não confundam as multipheidades rizomáticas com as lógicas binárias das ramificações arborescentes ou com as hierarquias totalitárias e fasciculadas do sistema-radícula, nem tampouco associá-las à teleologia cosmopolita dos sectários.
Como seria interessante se o lugar da arte reservasse a coragem bárbara e nômade de um antiplatonismo ou a perspectiva antiaristotélica da arte. Nesse espaço heterotópico e real ela iria se despir cinicamente como um intenso devir dionisíaco de desmascaramento estético da existência humana. Potencializaria atitudes parresiastas incapturáveis ao invés de sustentar artifícios místicos falidos em meio à insegurança ontológica e o invólucro multiculturalista idílico na moda dos pós-modernos etnocêntricos, diletantes e moribundos em seus hermetismos pseudo-xamânicos entusiasmados e volúveis. Descolecionaria bens culturais e simbólicos para escapar das teias hegemônicas do globalitarismo e os abismos do neocolonialismo. A fascinação e olhar exótico lançado às alteridades não se difere do projeto de ocidentalização da modernidade, rebelar-se de seus padrões culturais para se entregar inteiramente ao encantamento da “cultura do outro” se estende como uma outra face da colonialidade do saber-poder.
A arte é criação e transformação da própria vida, e não evasão contemplativa do homem na busca passiva pelo eterno ou inóspito. A arte de viver possibilita desvios, produção de agenciamentos singulares e coletivos desterritorializados, dobra de fora das resistências enquanto contra-poder às disciplinas despóticas, saídas e linhas de fugas para livrar-se dos microfascismos, da paixão sintomática pelo poder e das instâncias de soberania que dita as normas daquilo que se deve ou não fazer através da governança de hábitos cotidianos. A vida como obra de arte não plagia os sentidos da existência a procura de referenciais nostálgicos opacos na sombra de fundamentos insubsistentes, cartografa vetores de escape aos mapas, séries e sequestros de inclusão total e exclusão maciça, desnaturaliza conceitos ao se esquivar de categorias e estereótipos, se descola das ofertas e mediações do capital ao produzir sua autovalorização insubordinável, ela tem a capacidade de construir e reinventar territórios subjetivos que experimentam forças autônomas de vitalidades.

Nenhum comentário:

Postar um comentário