5 de abril de 2011

GARLAND, David - Governamentalidade e o Problema da Criminalidade: Foucault, Criminologia e Sociologia


Abril/2010


Disponibilizo o texto de David Garland "Governmentality and the Problem of Crime: Foucault, Criminology, Sociology" traduzido para o português. Esse texto foi publicado em sua versão original na revista internacional Theoretical Criminology, University of Edinburgh, London, SAGE publications, 1997;1: 173-214. Nesse artigo, Garland analisa as implicações de uma nova racionalidade governamental que passou a orientar as práticas penais na sociedade moderna a partir dos anos 80 e 90, quando o crime se transforma em um acontecimento corriqueiro, como fato social previsível ao cálculo de risco, redução de custos e medidas de prevenção.
O problema da criminalidade anteriormente fundado sobre o postulado da patologia e anormalidade do indivíduo criminoso como aquele que apresentava um desvio de conduta normal e civilizada, adquire efeitos teóricos e práticos das "novas criminologias da vida cotidiana" (GARLAND, 1999) no qual abrangem a "teoria da escolha racional", a "teoria da atividade de rotina", o "crime como oportunidade" e a "prevenção da criminalidade situacional". Essas teorias sustentam a assertiva de que o crime se constitui como um risco rotineiro de nossa vida econômica e social contemporânea. Para o criminoso seria uma oportunidade, uma escolha de carreira e não necessariamente como resultado de seu caráter "anormal". A estimativa da ocorrência de eventos criminosos se converte numa operação de rotina sistematizada, por exemplo, como se procede as avaliações e respectivos cômputos dos acidentes de trânsito.
Devido a "normalidade" das crescentes taxas de criminalidade e as limitações dos organismos de justiça criminal na prevenção e controle social do crime, tornou-se cada vez mais frequente, sobretudo nos documentos governamentais, nos relatórios parlamentares, policiais e na apropriação do tema pelos setores partidários, o questionamento sobre a situação limítrofe do poder e alcance da soberania do Estado e sua capacidade em assegurar a segurança e a repressão criminal.
Tais limites do Estado soberano diante da "guerra contra o crime" e contenção dos índices de criminalidade não poderiam ser reconhecidos publicamente, pois fomentaria um desastre político. Apesar do discurso da guerra permanecer nas falácias do governo e utilizado como retórica no controle da criminalidade, houve mudanças significativas nos objetivos da política criminal. Ao invés de pensarem que o Estado poderia ganhar a "guerra contra o crime", de forma comedida os organismos governamentais (polícia, tribunais, prisões, trabalho social, etc.) se deram conta de que não poderiam por si só tomar as providências contra a prevenção e controle do crime. Começaram a se preocupar com uma melhor gestão dos riscos e dos recursos que viriam a reduzir o medo do crime e os custos da criminalidade e da justiça criminal, oferecendo maior visibilidade às vítimas e ao público em geral como uma tarefa do governo central em produzir e delegar as competências para os "cidadãos ativos" inter-relacionados com os objetivos preventivos, incitando as tecnologias de monitoramento, identificação e esquadrinhamento de condutas consideradas delinquentes como um princípio de compromisso particular e individual de cidadania.
A governamentalidade do crime veio a mobilizar as estratégias de "responsabilização" como um mecanismo de controle capilarizado da criminalidade situacional. As medidas preventivas do controle do crime passam a ser responsabilidade de empregadores, moradores, urbanistas, comerciantes, companhias de transporte, autoridades escolares, profissionais da saúde e a família, de maneira indireta participam da ação contra o crime para manter a ordem em sua "comunidade".
A nova racionalidade governamental exerce um trabalho conjunto entre o Estado e as instituições, estabelece-se a obrigação e participação de grupos, indivíduos e organizações não-governamentais, todos inseridos numa rede de cooperação desempenhando um papel central na prevenção da criminalidade, calculabilidade do risco e regulamentação dos dispositivos de segurança. O crime é administrado como um problema de probabilidade em meio à normalização populacional, principalmente, na acumulação dos dados de pesquisa conferidos pelas vítimas que contribuem para o depósito informativo da vigilância nas tecnologias de comunicação.
Em suma, percebe-se um estilo de governo que paulatinamente se afasta das propostas assistencialistas do Estado de Bem-Estar Social e seus ideais de reabilitação, emergindo-se uma administração da criminalidade mais voltada para as políticas neoliberais que se investem expressivamente nas tecnologias securitárias - cada vez mais privatizadas - sob a forma de racionalização econômica da prevenção da criminalidade. Segue abaixo o link do texto:


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