Abril/2010
Disponibilizo
o texto de David Garland "Governmentality and the Problem of Crime:
Foucault, Criminology, Sociology" traduzido para o português. Esse texto foi
publicado em sua versão original na revista internacional Theoretical
Criminology, University of Edinburgh, London, SAGE publications, 1997;1:
173-214. Nesse artigo, Garland analisa as implicações de uma nova racionalidade
governamental que passou a orientar as práticas penais na sociedade moderna a
partir dos anos 80 e 90, quando o crime se transforma em um acontecimento
corriqueiro, como fato social previsível ao cálculo de risco, redução de custos
e medidas de prevenção.
O problema da
criminalidade anteriormente fundado sobre o postulado da patologia e
anormalidade do indivíduo criminoso como aquele que apresentava um desvio de
conduta normal e civilizada, adquire efeitos teóricos e práticos das
"novas criminologias da vida cotidiana" (GARLAND, 1999) no qual
abrangem a "teoria da escolha racional", a "teoria da atividade
de rotina", o "crime como oportunidade" e a "prevenção da
criminalidade situacional". Essas teorias sustentam a assertiva de que o
crime se constitui como um risco rotineiro de nossa vida econômica e social
contemporânea. Para o criminoso seria uma oportunidade, uma escolha de carreira
e não necessariamente como resultado de seu caráter "anormal". A
estimativa da ocorrência de eventos criminosos se converte numa operação de
rotina sistematizada, por exemplo, como se procede as avaliações e respectivos
cômputos dos acidentes de trânsito.
Devido a
"normalidade" das crescentes taxas de criminalidade e as limitações
dos organismos de justiça criminal na prevenção e controle social do crime,
tornou-se cada vez mais frequente, sobretudo nos documentos governamentais, nos
relatórios parlamentares, policiais e na apropriação do tema pelos setores
partidários, o questionamento sobre a situação limítrofe do poder e alcance da
soberania do Estado e sua capacidade em assegurar a segurança e a repressão
criminal.
Tais limites
do Estado soberano diante da "guerra contra o crime" e contenção dos
índices de criminalidade não poderiam ser reconhecidos publicamente, pois
fomentaria um desastre político. Apesar do discurso da guerra permanecer nas
falácias do governo e utilizado como retórica no controle da criminalidade,
houve mudanças significativas nos objetivos da política criminal. Ao invés de
pensarem que o Estado poderia ganhar a "guerra contra o crime", de
forma comedida os organismos governamentais (polícia, tribunais, prisões,
trabalho social, etc.) se deram conta de que não poderiam por si só tomar as
providências contra a prevenção e controle do crime. Começaram a se preocupar
com uma melhor gestão dos riscos e dos recursos que viriam a reduzir o medo do
crime e os custos da criminalidade e da justiça criminal, oferecendo maior
visibilidade às vítimas e ao público em geral como uma tarefa do governo
central em produzir e delegar as competências para os "cidadãos
ativos" inter-relacionados com os objetivos preventivos, incitando as
tecnologias de monitoramento, identificação e esquadrinhamento de condutas
consideradas delinquentes como um princípio de compromisso particular e
individual de cidadania.
A
governamentalidade do crime veio a mobilizar as estratégias de
"responsabilização" como um mecanismo de controle capilarizado da
criminalidade situacional. As medidas preventivas do controle do crime passam a
ser responsabilidade de empregadores, moradores, urbanistas, comerciantes,
companhias de transporte, autoridades escolares, profissionais da saúde e a
família, de maneira indireta participam da ação contra o crime para manter a
ordem em sua "comunidade".
A nova
racionalidade governamental exerce um trabalho conjunto entre o Estado e as
instituições, estabelece-se a obrigação e participação de grupos, indivíduos e
organizações não-governamentais, todos inseridos numa rede de cooperação
desempenhando um papel central na prevenção da criminalidade, calculabilidade
do risco e regulamentação dos dispositivos de segurança. O crime é administrado
como um problema de probabilidade em meio à normalização populacional,
principalmente, na acumulação dos dados de pesquisa conferidos pelas vítimas
que contribuem para o depósito informativo da vigilância nas tecnologias de
comunicação.
Em suma,
percebe-se um estilo de governo que paulatinamente se afasta das propostas
assistencialistas do Estado de Bem-Estar Social e seus ideais de reabilitação,
emergindo-se uma administração da criminalidade mais voltada para as políticas
neoliberais que se investem expressivamente nas tecnologias securitárias - cada
vez mais privatizadas - sob a forma de racionalização econômica da prevenção da
criminalidade. Segue abaixo o link do texto:
É permitido a cópia e a
distribuição, sem alteração do texto, desde que citadas as referências
bibliográficas.
Valeu Andrews!!
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