20 de agosto de 2011

Sobre a Repaginação dos Mecanismos Preventivos na Conduta do Acolhedor Profilático

As atuais campanhas contra o crack voltaram a adotar o problema da droga como uma “epidemia urbana”, agora vigente não só nos programas de recolhimento, mas também entre os de “acolhimento” produzido pelas ações de colaboradores das tecnologias do governo das ruas aos quais querem aperfeiçoar as limpezas e profilaxias com tratamentos oferecidos a céu aberto, de modo que a internação e as terapias médico-psiquiátricas passem a ser negociadas, subjetivadas e toleradas como permissivas pelos próprios usuários.
Esses programas de melhorias são apresentados de forma risonha, amigável e positiva, mas na realidade eles só pretendem repaginar o higienismo, as epidemiologias e as políticas de faxina para dar uma roupagem mais negociável de inacabados internamentos, monitoramentos e tratamentos como controle. Eles se valem das disposições e apoios de jovens acolhedores, redutores de danos, da inclusão de alternativos (remunerados ou informais), membros de cooperativas, mediadores de conflitos, familiares, lideranças comunitárias e ongueiras, recrutas voluntários de associações de bairros, universitários, profissionais de prefeituras e secretarias ou os demais funcionários institucionalizados para ampliarem a governamentalidade do Estado, do planeta, da cidade e das ruas.
Muitos dos que foram citados acima desejam integrar as novas estratégias da higienização pelas quais deslocam a operação de ordem policial para os dispositivos punitivos de saúde pública, complementando a compulsoriedade com os jogos de provisoriedade e voluntariedade. Chegam a repudiar a política repressiva e a lógica do aprisionamento massivo, o que não quer dizer que deixaram de ser adeptos de assepsias, de medicalizações, da vontade de internar e do aperfeiçoamento de penalidades e unidades de internação por meio de medidas “alternativas” e sócio educativas. Em compartilhamento com governos, atualizam modelos assistenciais da medicina de saúde mental e cuidados esterilizados das ruas e seus ocupantes, que outrora eram tidos como indesejáveis, agora são alvos da suavização das penas, revitalizações preventivas, consultorias e atendimentos ao “ar livre”.
O não tão novo negócio rentável dos assistencialistas compassivos com os refratários no uso das drogas, procura eliminar os craqueiros das ruas e da cidade com seu suposto “ombro amigo” ao querer seduzir os usuários para os dispositivos de tratamento, fechado ou aberto, fazendo com que eles mesmos se aproximem das instituições de “encaminhamento” em direção às portas de entrada ao “necessário” confinamento.
Contudo, o acolhedor profilático é o agente integrado que busca renovar as operações de limpeza, as práticas higienistas e os mecanismos de prevenção e defesa da sociedade a partir de retóricas humanistas e à base de filantropias no interior de uma democracia representativa que estimula condutas participativas e reformas bem intencionadas.
As políticas de acolhimento compõem as práticas austeras do grande encarceramento e dos recolhimentos a força com a tolerância e a segurança pública articulada com a saúde pública.
A compaixão presunçosa não altera o desprezo e o ódio concentrado sobre aqueles que vagam nas ruas e migram em zonas temporárias com seus cachimbos e pedras, sujeitos a todo e qualquer preço pelas ofertas dos ilegalismos que articulam empreendimentos legais, como também não é capaz de conter os extermínios e as políticas proibicionistas do mercado do tráfico que lucra com o crack, a cocaína e também com o oxi e uniformiza a miséria de milhares de pessoas sob as tutelas e garantias do controle biológico e social da população em suas localidades.
No entanto, sempre permanece aceso o calor existencial dos que recusam os abraços acolhedores e colaboradores das artimanhas de curar, os que não negociam seu próprio corpo, os que não aceitam, sob que pretexto for, as internações, os que dizem um basta ao viés da prevenção geral e programas colaborativos que só servem para restaurar a “boa saúde do Estado” ou do planeta sustentável na perseguição e contenção seletiva de crianças, jovens, negros, mulheres, loucos e subversivos.

17 de agosto de 2011

Breves Considerações acerca dos Protestos nos Subúrbios de Londres


E sempre há o clamor da imprensa, não só de lá como também é o caso de algumas coberturas daqui, por mais repressão e reforço de perseguições policiais, percebemos isso nas perguntas capciosas da jornalista ao entrevistado Mr. Dowe, querendo que ele confirme o discurso corrente que associa mecanicamente crime, “desordem” e imigração.
No entanto, o histórico do racismo ligado à brutalidade policial e às desigualdades sociais está disseminado na sociedade britânica, e não apenas nas práticas da polícia, muitas vezes vigentes nas próprias ações dos manifestantes que entram em conflitos entre si. O fato de jovens negros e brancos protestarem juntos em motins nos bairros de Londres não quer dizer que a segregação racial, a xenofobia e a intolerância às diferenças tenham deixado de existir, recorrentemente somos surpreendidos com idéias, opiniões e pareceres que pretendem ontologizar a violência como um dado natural e cultural dos negros ao condenar as mestiçagens nas cidades européias.
Nota-se o quanto é multifacetada as revoltas no Reino Unido, de um lado elas oscilam em práticas fascistas dispersas no interior de apartheid's sociais, de outro em insurreições populares e liberadoras contra os aparatos repressivos do Estado e do policiamento.
Noutro momento, como reações contra o desemprego e a pobreza ou se levantando em nome de maior acesso aos bens de consumo. Enquanto o Estado e suas extensões fazem a gestão dos distúrbios localizando, identificando e criminalizando protestos ao se valer do monitoramento de banco de dados, censuras, interceptações e cortes de acessos a redes sociais e equipamentos eletrônicos, bem como convocando também os cidadãos para dedurarem uns aos outros ao atribuírem pra si a conduta policialesca.
Esses acontecimentos demonstram o modo como as estratégias governamentais estão utilizando os modelos de um suposto Estado de bem-estar social (Welfare State ou Penal welfarism) para produzir e ampliar as políticas de contenção, criminalização e penalização sobre as periferias e subúrbios.

Colaboradores da Defesa da Sociedade, do Estado e do Planeta

As disposições de governados colaboram para expandir a "saúde do Estado" e conservar a ordem (ou o coro da "desordem" cadenciada militarmente) do corpo social. Os compartilhadores de institucionalidades inacabadas adotam as políticas de tolerância para atualizar práticas de prevenção geral e securitária. Nos fluxos do capital imaterial da sociedade de controle numa democracia representativa e participativa, até os hackers são recrutados, capturados e contratados por empresas, por exemplo, na política de combate ao "crime de hacktivismo", contenção de ameaças cibernéticas e para reforçar a segurança privada, estatal e planetária. Assim como o catador de lixo é convocado por cooperativas ecológicas para participar do desenvolvimento sustentável nos jogos de revitalização das cidades e políticas preventivas de profilaxia urbana.
Muitas vezes, o militante na luta antimanicomial recebe a oportunidade de atuar como agente sanitário na repaginação de arranjos epidemiológicos, no engajamento antipsiquiátrico acolhido pelas campanhas contra as drogas para oferecer tratamentos a céu aberto em áreas georreferenciadas como vulneráveis, até o ponto de a prática de internação e a moral psiquiátrica serem aceitas, subjetivadas e negociadas pelos próprios usuários a partir de "disciplinas positivas" oferecidas por funcionários “flexíveis”. Entre as práticas punitivas, o cidadão passa pela convocação eletrônica da delação e a conduta do policiamento.
Nas crescentes e velozes mobilizações de protestos organizados via redes sociais, microblogs e celulares, o Estado em sua capilaridade se vale dessa velocidade para localizar, identificar e silenciar as manifestações sobre as quais são organizadas por meio de convocações eletrônicas e sob o controle de seus proprietários, mapeamentos de banco de dados e imediatas censuras e interceptações. Os incômodos dos protestos contemporâneos reproduzem nos fluxos do ciberespaço os motes e demandas que sempre convergem para o Estado e leis regulatórias. Giram em torno dos reajustes de um capitalismo sideral, um querer mais Estado distribuído em seguros, moradias, empregos, bens de consumo, escolarização e cuidados ampliados. Presencia-se o modo como ressurge a institucinalização de outros fascismos corroborados enquanto soluções de crises econômicas globais, e também como o modelo do Welfare State vem sendo utilizado para domesticar ou criminalizar, principalmente, as populações periféricas.
Na onda de marchadores autorizados e tutelados pela polícia ao qual dependem do aval de juízes, produz-se a captura de resistências, as variedades tecnológicas do governo das ruas necessita fomentar direitos de participação da sociedade civil para expandir o governo da cidade e do Estado e ainda servir para testar as possibilidades das novas tecnologias computo-informacionais e programas de empresas, dando maior visibilidade a jovens com ações coordenadas e globalmente articuladas pelos fluxos e circuitos difusos das práticas de poder. Todas essas euforias de "protestos.com" passam a servir de colaboradores do governo da vida no planeta e de Estado, mecanismos de subjetivação empresarial e ongueira aos quais incluem minorias como agentes do desenvolvimento sustentável. Desse modo, os colaboradores que visam participar nas instâncias de governo não se interessam por potencializar resistências, querem apenas contribuir para novas empregabilidades e a partir de institutos, núcleos de universidades, escolas, empresas, ONG's, pastorais, associações comunitárias e coordenadorias de crianças e jovens pretendem continuar agilizando funcionamentos e complementar a governamentalização do Estado, da cidade, das ruas e do planeta através de programações colaborativas, empreendedorismos voluntários de si e dos outros e reformismos bem intencionados, moderados e disponíveis a negociações no interior de outros deslocamentos das variedades governamentais descentralizadas.
É preciso não estar acessível aos catálogos e programas de melhorias. Corpos livres não são bens negociáveis, eles não se ajustam aos regimes de castigos e dívidas infinitas, por mais que se apresentem sorridentes, positivos e amigáveis. A combustão do fogo corporal não cessa e nem perde a sua força diante da oferta, negócios e acolhimentos, ela escapa intensamente das redes aperfeiçoadas e imperceptíveis do governo e não aceita fazer parte do exército amesquinhado de colaboracionistas.