As atuais campanhas
contra o crack voltaram a adotar o problema da droga como uma “epidemia
urbana”, agora vigente não só nos programas de recolhimento, mas também entre
os de “acolhimento” produzido pelas ações de colaboradores das tecnologias do
governo das ruas aos quais querem aperfeiçoar as limpezas e profilaxias com
tratamentos oferecidos a céu aberto, de modo que a internação e as terapias
médico-psiquiátricas passem a ser negociadas, subjetivadas e toleradas como
permissivas pelos próprios usuários.
Esses programas de
melhorias são apresentados de forma risonha, amigável e positiva, mas na
realidade eles só pretendem repaginar o higienismo, as epidemiologias e as
políticas de faxina para dar uma roupagem mais negociável de inacabados
internamentos, monitoramentos e tratamentos como controle. Eles se valem das
disposições e apoios de jovens acolhedores, redutores de danos, da inclusão de
alternativos (remunerados ou informais), membros de cooperativas, mediadores de
conflitos, familiares, lideranças comunitárias e ongueiras, recrutas
voluntários de associações de bairros, universitários, profissionais de
prefeituras e secretarias ou os demais funcionários institucionalizados para
ampliarem a governamentalidade do Estado, do planeta, da cidade e das ruas.
Muitos dos que foram
citados acima desejam integrar as novas estratégias da higienização pelas quais
deslocam a operação de ordem policial para os dispositivos punitivos de saúde
pública, complementando a compulsoriedade com os jogos de provisoriedade e voluntariedade.
Chegam a repudiar a política repressiva e a lógica do aprisionamento massivo, o
que não quer dizer que deixaram de ser adeptos de assepsias, de medicalizações,
da vontade de internar e do aperfeiçoamento de penalidades e unidades de internação
por meio de medidas “alternativas” e sócio educativas. Em compartilhamento com
governos, atualizam modelos assistenciais da medicina de saúde mental e
cuidados esterilizados das ruas e seus ocupantes, que outrora eram tidos como
indesejáveis, agora são alvos da suavização das penas, revitalizações
preventivas, consultorias e atendimentos ao “ar livre”.
O não tão novo negócio
rentável dos assistencialistas compassivos com os refratários no uso das drogas,
procura eliminar os craqueiros das ruas e da cidade com seu suposto “ombro
amigo” ao querer seduzir os usuários para os dispositivos de tratamento,
fechado ou aberto, fazendo com que eles mesmos se aproximem das instituições de
“encaminhamento” em direção às portas de entrada ao “necessário” confinamento.
Contudo, o acolhedor
profilático é o agente integrado que busca renovar as operações de limpeza, as
práticas higienistas e os mecanismos de prevenção e defesa da sociedade a partir de
retóricas humanistas e à base de filantropias no interior de uma democracia
representativa que estimula condutas participativas e reformas bem
intencionadas.
As políticas de
acolhimento compõem as práticas austeras do grande encarceramento e dos
recolhimentos a força com a tolerância e a segurança pública articulada com a
saúde pública.
A compaixão presunçosa
não altera o desprezo e o ódio concentrado sobre aqueles que vagam nas ruas e
migram em zonas temporárias com seus cachimbos e pedras, sujeitos a todo e
qualquer preço pelas ofertas dos ilegalismos que articulam empreendimentos
legais, como também não é capaz de conter os extermínios e as políticas
proibicionistas do mercado do tráfico que lucra com o crack, a cocaína e também
com o oxi e uniformiza a miséria de milhares de pessoas sob as tutelas e
garantias do controle biológico e social da população em suas localidades.
No entanto, sempre
permanece aceso o calor existencial dos que recusam os abraços acolhedores e
colaboradores das artimanhas de curar, os que não negociam seu próprio corpo,
os que não aceitam, sob que pretexto for, as internações, os que dizem um basta
ao viés da prevenção geral e programas colaborativos que só servem para
restaurar a “boa saúde do Estado” ou do planeta sustentável na perseguição e
contenção seletiva de crianças, jovens, negros, mulheres, loucos e subversivos.