Os pactos da Nova República se esgotaram, e devido
essas permanências da ditadura conservada no interior de uma "democracia
formal" na qual as polícias militares e Forças Armadas se mantiveram
intocadas, um novo golpe civil-militar está em curso independente do resultado eleitoral.
Os milicos conseguiram conduzir um projeto de transição configurada nos moldes
de uma redemocratização normalizada.
Esconder o passado e os
arquivos da ditadura foi o papel dos militares que conseguiram atuar nos cargos
políticos até os dias de hoje desde o período da transição supostamente
democrática.
As esquerdas tiveram
todas as oportunidades para levar adiante as comissões da verdade e condenar os
militares da ditadura e retirá-los do cenário político, mas nada foi feito. Não
confrontaram a presença do militarismo preservado nos consórcios de governo, e
quando não se faz essa reforma política, agora não conseguirão confrontá-los.
Hoje ainda é possível
notar que as esquerdas preservam essa conduta resiliente e a negação de que
estamos numa guerra contra o fascismo social. Elas também seguem um projeto
político cooptado pelo neoliberalismo através de negociações e conciliações no
jogo do pluralismo jurídico-político. Enquanto no Brasil está em marcha um
governo civil-militar teocrático na qual associa o fundamentalismo evangélico para
implantar programas ultra neoliberais, bem próximo da experiência ditatorial de
Pinochet no Chile.
As redes sociais, assim
como as ruas, foram tomadas pelos delírios do anti-petismo e a construção de
inimigos políticos (comunismo, esquerdismo e feminismo). Com um discurso de
“união nacional” está sendo produzido em larga escala as práticas de
brutalidade social, ao querer a união apenas para seus iguais e a vontade de
aniquilação para as existências tidas como perturbadoras e ameaçadoras.
As esquerdas no decorrer
dos anos se constituíram como gestores da crise ou apenas numa disputa para um “governo melhor” seguindo tal
continuidade política configurada numa racionalidade neoliberal. Se outrora as
práticas de revolução apenas buscaram a restauração do soberano, agora vemos os
desejos por mais Estado e mais direitos a partir das institucionalizações
inacabadas das identidades e do empoderamento.
No momento pelo qual o
Brasil vivenciou a experiência de ruptura política e recusa radical do poder em
2013, após esse acontecimento se fomentaram com maior intensidade os discursos
de ódio e intolerância. As esquerdas não souberam conduzir essas forças de
rompimento para uma postura de radicalização política com um horizonte de uma
democracia cada vez mais direta, o que se presenciou foi essa radicalidade e
aproximação das reais necessidades populares por parte da extrema direita.
Aparenta ser bastante
irônico a extrema direita ser aquela que conseguiu conduzir a revolta popular
contra o sistema e presenciarmos hoje as forças fascistizantes da sociedade sem
a menor vergonha de expressar seus discursos de ódio ou de praticar as mais
variadas formas de violência em consentimento com as violências de Estado.
Podemos dizer que as subjetivações fascistas atuais são os efeitos desses circuitos
de afetos baseado no medo e insegurança, nas condutas conservadoras e reacionárias
do anti-estatismo e anti-esquerdismo enquanto resultado desse engodo da
redemocratização tutelada em direção ao choque neoliberal.
Ao se pensar sobre essas
questões da transição e democracia, temos as possibilidades de se problematizar
que as coisas só chegaram a esse ponto devido as relações que essa democracia
normalizada teve com os programas de resiliência que implicam na participação
ininterrupta aos processos de Estado e mercado, nas minorias compondo a
maioridade democrática nas políticas de direitos inacabados, nos confinamentos
e ilhas identitárias, com o governo da exceção nos dispositivos de democracia
enquanto política como guerra por outros meios, no policiamento de condutas e
não apenas restrito nas instituições, na convocação para serem colaboradores da
defesa da sociedade, como também nos moldes da escola governamental e
democrática e a suavização das penas como método de se “punir melhor”, na passagem de manicômios para clínicas e
psiquiatrização a céu aberto e no monitoramento como dispositivo democrático de
delação do cidadão-polícia.
E que justamente esses
dispositivos foram precisos para acomodar em vários lugares os circuitos e
dispersões das lutas agonistas, transformando qualquer sinal de potência e
resistência em apenas protagonismos reivindicadores de direitos e
participativos na busca de melhorias para o Estado e normas de mercado.
Penso que se não foi
decorrente dessas questões ao qual as esquerdas falharam nessa acomodação de
forças e afetos a partir da resiliência. Nesses projetos reformistas da
segurança, com projetos de pacificação buscando a “polícia boa” com as UPPs, como também com as medidas sócio educativas
que conciliam a punição e o castigo com a educação. E cabe mencionar as
sociologias e criminologias reformadoras das instituições e as constantes
militarizações acompanhadas pelos programas ambientais do desenvolvimento
sustentável, ONGs e projetos de ressocialização que não descartam as políticas
de reforma das prisões.
De repente essa mesma
esquerda pacifista e arraigada numa política de conciliação sempre enxergou a
repressão política através da denúncia. Por isso nunca ultrapassaram o
protagonismo e a busca incessante pelo centro, e que no presente suavizam ou
relativizam o fascismo que estamos vivendo sem se atentar às suas bases sociais.
Podem falar de resistências através de binômios, mas ainda não ousaram de fato
a potência agonística.
É reconhecer que vivemos em uma guerra permanente
com os fascismos contemporâneos enquanto uma possibilidade de se produzir
práticas agonistas na urgência do agora. Que se potencialize os agonismos
ingovernáveis e as insurgências cada vez mais combativas para uma desfiguração
do poder e as formas de vida fascista na sociedade.
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