14 de outubro de 2018

Esquerdas Contemporâneas, Resiliência e a Ditadura Inacabada: Problemáticas sobre o Fascismo Social no Brasil

Os pactos da Nova República se esgotaram, e devido essas permanências da ditadura conservada no interior de uma "democracia formal" na qual as polícias militares e Forças Armadas se mantiveram intocadas, um novo golpe civil-militar está em curso independente do resultado eleitoral. Os milicos conseguiram conduzir um projeto de transição configurada nos moldes de uma redemocratização normalizada.

Esconder o passado e os arquivos da ditadura foi o papel dos militares que conseguiram atuar nos cargos políticos até os dias de hoje desde o período da transição supostamente democrática.

As esquerdas tiveram todas as oportunidades para levar adiante as comissões da verdade e condenar os militares da ditadura e retirá-los do cenário político, mas nada foi feito. Não confrontaram a presença do militarismo preservado nos consórcios de governo, e quando não se faz essa reforma política, agora não conseguirão confrontá-los.

Hoje ainda é possível notar que as esquerdas preservam essa conduta resiliente e a negação de que estamos numa guerra contra o fascismo social. Elas também seguem um projeto político cooptado pelo neoliberalismo através de negociações e conciliações no jogo do pluralismo jurídico-político. Enquanto no Brasil está em marcha um governo civil-militar teocrático na qual associa o fundamentalismo evangélico para implantar programas ultra neoliberais, bem próximo da experiência ditatorial de Pinochet no Chile.

As redes sociais, assim como as ruas, foram tomadas pelos delírios do anti-petismo e a construção de inimigos políticos (comunismo, esquerdismo e feminismo). Com um discurso de “união nacional” está sendo produzido em larga escala as práticas de brutalidade social, ao querer a união apenas para seus iguais e a vontade de aniquilação para as existências tidas como perturbadoras e ameaçadoras.

As esquerdas no decorrer dos anos se constituíram como gestores da crise ou apenas numa disputa para um “governo melhor” seguindo tal continuidade política configurada numa racionalidade neoliberal. Se outrora as práticas de revolução apenas buscaram a restauração do soberano, agora vemos os desejos por mais Estado e mais direitos a partir das institucionalizações inacabadas das identidades e do empoderamento.

No momento pelo qual o Brasil vivenciou a experiência de ruptura política e recusa radical do poder em 2013, após esse acontecimento se fomentaram com maior intensidade os discursos de ódio e intolerância. As esquerdas não souberam conduzir essas forças de rompimento para uma postura de radicalização política com um horizonte de uma democracia cada vez mais direta, o que se presenciou foi essa radicalidade e aproximação das reais necessidades populares por parte da extrema direita.

Aparenta ser bastante irônico a extrema direita ser aquela que conseguiu conduzir a revolta popular contra o sistema e presenciarmos hoje as forças fascistizantes da sociedade sem a menor vergonha de expressar seus discursos de ódio ou de praticar as mais variadas formas de violência em consentimento com as violências de Estado. Podemos dizer que as subjetivações fascistas atuais são os efeitos desses circuitos de afetos baseado no medo e insegurança, nas condutas conservadoras e reacionárias do anti-estatismo e anti-esquerdismo enquanto resultado desse engodo da redemocratização tutelada em direção ao choque neoliberal.

Ao se pensar sobre essas questões da transição e democracia, temos as possibilidades de se problematizar que as coisas só chegaram a esse ponto devido as relações que essa democracia normalizada teve com os programas de resiliência que implicam na participação ininterrupta aos processos de Estado e mercado, nas minorias compondo a maioridade democrática nas políticas de direitos inacabados, nos confinamentos e ilhas identitárias, com o governo da exceção nos dispositivos de democracia enquanto política como guerra por outros meios, no policiamento de condutas e não apenas restrito nas instituições, na convocação para serem colaboradores da defesa da sociedade, como também nos moldes da escola governamental e democrática e a suavização das penas como método de se “punir melhor”, na passagem de manicômios para clínicas e psiquiatrização a céu aberto e no monitoramento como dispositivo democrático de delação do cidadão-polícia.

E que justamente esses dispositivos foram precisos para acomodar em vários lugares os circuitos e dispersões das lutas agonistas, transformando qualquer sinal de potência e resistência em apenas protagonismos reivindicadores de direitos e participativos na busca de melhorias para o Estado e normas de mercado.

Penso que se não foi decorrente dessas questões ao qual as esquerdas falharam nessa acomodação de forças e afetos a partir da resiliência. Nesses projetos reformistas da segurança, com projetos de pacificação buscando a “polícia boa” com as UPPs, como também com as medidas sócio educativas que conciliam a punição e o castigo com a educação. E cabe mencionar as sociologias e criminologias reformadoras das instituições e as constantes militarizações acompanhadas pelos programas ambientais do desenvolvimento sustentável, ONGs e projetos de ressocialização que não descartam as políticas de reforma das prisões.

De repente essa mesma esquerda pacifista e arraigada numa política de conciliação sempre enxergou a repressão política através da denúncia. Por isso nunca ultrapassaram o protagonismo e a busca incessante pelo centro, e que no presente suavizam ou relativizam o fascismo que estamos vivendo sem se atentar às suas bases sociais. Podem falar de resistências através de binômios, mas ainda não ousaram de fato a potência agonística.

É no presente que se faz urgente criar potências que rompem radicalmente e subjetivamente com a ordem, seja ela vigente nas políticas de Estado como também na própria sociedade. O neoliberalismo na atualidade se produz no governo de si e dos outros, e não somente como uma desregulamentação do mercado pelo "Estado mínimo", assim como o fascismo social que não se expressa apenas nas instâncias superiores de poder, e sim nas práticas difusas e cotidianas presentes no campo social.

É reconhecer que vivemos em uma guerra permanente com os fascismos contemporâneos enquanto uma possibilidade de se produzir práticas agonistas na urgência do agora. Que se potencialize os agonismos ingovernáveis e as insurgências cada vez mais combativas para uma desfiguração do poder e as formas de vida fascista na sociedade.

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